A
EDUCAÇÃO PRECOCE PARA UM INEXORÁVEL FIM:
A MORTE NA OBRA DOUTRINA PARA CRIANÇAS (1274-1276) DE RAMON LLULL (1232-1315)
A MORTE NA OBRA DOUTRINA PARA CRIANÇAS (1274-1276) DE RAMON LLULL (1232-1315)
Renan Marques Birro
Priscila Viegas dos Santos
Na tradição filosófica da Idade
Média, o tema da morte é bastante comum, assim como na filosofia clássica.
Cícero (106-43 a. C.), por exemplo, declarou que “toda a vida filosofia é um
comentário sobre a morte” (CÍCERO,
Disputas Tusculanas, I, XXX, 74,). A filosofia cristã, por sua vez, deu
grande importância à morte, sobretudo após a carta Paulina aos Coríntios,
quando o apóstolo chamou a atenção para a importância de se refletir sobre a
corrupção do homem exterior, aquilo que está relacionado ao corpo corruptível
em relação ao homem interior, a alma. Dessa forma, a morte não era novidade
entre os intelectuais. Porém, os medievais buscaram desenvolver e aprofundar
seus conhecimentos a respeito dessa temática (COSTA, 2005: 238).
Neste ínterim, o filósofo catalão Ramon Llull não apenas
refletiu sobre o tema da morte em suas obras, como também preservou,
desenvolveu e se aprofundou nesta discussão comum aos filósofos, preservando a
tradição filosófica que se estendia desde a Antiguidade Clássica até o período
medieval e mais além (COSTA, 2005: 238).
Não apenas esta tradição foi desenvolvida por Ramon. O autor
também desenvolveu um estilo de pedagogia cristã, de maneira que alguns
estudiosos o consideram um dos primeiros pedagogos cristãos (PALOU, s/d: 1).
Suas obras, verdadeiros manuais pautados na ética e na moral religiosa,
descrevem como deveria ser a conduta de todo cristão, uma vez que a conduta dos
homens durante aquele período era definida pela religião (MARTINS, 2014: 156).
A obra utilizada para este estudo, Doutrina para crianças (1274-1276), encontra paralelos com as
demais produções desse filósofo catalão. Como se trata de uma narrativa, modelo
de texto que, segundo Dayse Martins (2014), “são importantes como estilo de
transmissão das experiências mais simples da vida cotidiana e dos grandes
eventos. Em sua essência, a narrativa constitui elemento participante do ato
educativo” (MARTINS, 2014: 158). Desta forma, podemos compreender melhor a
escolha desse estilo literário para suas obras, pois por meio da narrativa ele
poderia alcançar um de seus objetivos: produzir reflexões que combatessem os
erros dos infiéis.
É necessário conhecermos primeiro as influências do autor e
seu contexto para melhor compreender a finalidade da obra. É através do
contexto social do autor que podemos obter informações que nos possibilitam
compreender melhor o contexto de produção do documento.
Sobre a Doutrina
Muito devoto, Ramon Llull passou sua vida produzindo textos
que continham a essência de suas reflexões sobre Deus e sobre a fé, como forma
de indicar o caminho divino às pessoas, fossem elas cristãs ou não. Também
podemos observar na obra a preocupação do pai com a educação do filho, não
apenas no aspecto religioso, como também com sua vida social. Assim, podemos
entender a abordagem do autor ao escrever a obra sobre suas perspectivas: A
primeira é de caráter religioso, catequético, o que reforça a ideia já
mencionada anteriormente sobre as obras do filósofo serem consideradas um
manual pedagógico religioso; a segunda trata do caráter social e moral, trata
das coisas materiais, assim como das ciências.
Na obra Doutrina para crianças (1274-1276),
Llull afirmou que antes da criança aprender sobre as ciências com seu
progenitor, “no princípio o homem deve mostrar a seu filho as coisas que são
gerais no mundo para que ele saiba descer até as especiais” (LLULL, 1274: 1)[i], ou seja, ela precisa
aprender a ler e entender o que leu.
Deste modo, ela pode
receber indicações de livros que mostrem o caminho divino, para assim elevar
seus pensamentos a Deus, desejar servir e amá-lo acima de tudo. Ademais, ela não perderia tempo com coisas profanas, pois a vida é
curta e “a morte se aproxima de nós todos os dias” (LLULL, 1274: 1)[ii].
Educar a criança no caminho divino significa
ensinar as virtudes de Deus, isto é, o conhecimento das coisas boas, uma vez
que as crianças desde muito pequenas são acostumadas “à boa educação ou à má”
(LLULL, 1274: XCI). Para o Filósofo, há dois tipos de educação: a que pertence
ao corpo e a que diz respeito à alma. A do corpo está relacionada aos cinco
sentidos: visão, audição, olfato, paladar e tato. E a educação da Alma “é feita
nas três propriedades da alma, isto é, na memória, no entendimento e na vontade”
(LLULL, 1274: XCI).
Conhecer a Deus é o ponto
central na Doutrina. Conhecer a
perfeição e a eternidade é a maior honra que o homem pode ter, pois segundo o
autor, não há nada melhor e mais perfeito que conhecer a Trindade e agradar o
Senhor. Satisfazer a alma é cumprir os mandamentos divinos ao se afastar do
mal. Menosprezar a glória terrena é o caminho para contemplar a glória sem fim,
a eternidade ao lado de Deus, em que “o Paraíso é ver Deus e estar com Ele em
glória” (LLULL, 1274: C)[iii].
A morte no século xiii
Das temáticas pregadas nos sermões[iv],
a pobreza espiritual era muito recorrente: um bom exemplo é o sermão sobre a
morte do usurário. Nessa época, o pensamento sobre a morte tornou-se mais
frequente, ou ao menos mais perceptível. Sendo assim,
a Igreja passou a adotar medidas que pudessem atrair os seus fiéis. Uma dessas
medidas foi incorporar a temática da morte, que ganhou especial popularidade
por meio dos frades medicantes que agregaram a temática aos seus sermões.
Assim, “sob pressão da Igreja e por medo do Além, o homem que sentia a morte
chegar queria prevenir-se com as garantias espirituais” (ARIÈS, 2012: 113).
No século XIV, em meio à crise que o Ocidente
europeu passava com o avanço ataque da peste, da fome e constantes guerras, a morte
ganhou forma por meio da Dança Macabra, que representava aqueles que se
encontravam entre o mundo dos mortos, a ação biológica que igualava a todos.
A mensagem da morte graças aos sermões ficou
ainda mais acentuada ainda com a nova forma de expressão que se deu por volta
do final do período medieval (final do séc.XV), a saber, por meio da gravura. A
mensagem exposta por esses dois meios, a pregação e a gravura, “poderiam
reproduzir a ideia da morte com um conceito muito simples, direto e real, de forma
nítida e violenta” (HUIZINGA, 2013: 221).
Neste ínterim, a Igreja Católica era a maior responsável
pelo crescente pensamento sobre a morte e o Além. Logo, a preocupação dos
cristãos em relação à morte e o Além são perceptíveis nos indícios históricos desta
época, pois a existência de uma vida após a morte causava inquietação e “se
revestia de caráter apavorante, pois nem todos, apesar de esperarem a salvação,
tinham a certeza de que ela efetivamente ocorreria” (OLIVEIRA, 2012: 1).
As incertezas da vida
levavam os medievais a estarem preparados a todo tempo: “o homem medieval
utilizava sua fraqueza, tendo como base o medo da morte, da fome, do purgatório
e do inferno, para produzir sua força, desejo e motivação de praticar o ‘bem’
afirmando a cada dia a fé em Deus.” (CAETANO, 2012:39). Deste modo, ele estaria
preparado e aguardaria a morte em seu leito com mais alivio, diminuindo a
pressão relacionada com a passagem do mundo terreno para o além (CAETANO, 2012:
40).
Nesse contexto, o pensamento sobre a morte
saiu da perspectiva do contato com o passado e os ancestrais para ser pensado
como algo do futuro. “A morte como fato, o trespasse, só representa uma etapa,
um momento em um sistema de relações complexas entre este mundo e o Além, entre
os vivos e os defuntos” (LAUWERS, 2002: 245). Assim, a preocupação quanto ao
por vir após a morte causava medo, a saber, um profundo receio de ser destinado
ao inferno, ganhou mais importância no século XIII do que a causa de morrer.
O momento do trespasse, portanto, era
representado como um momento de espera, um ritual coletivo, uma cerimônia
publica compartilhada pela família e pela sociedade. A angústia dos cristãos
era maior se determinada pessoa não estava pronta para morrer: a maior
preocupação era a salvação da alma.
A morte é
um dos fatores primordiais que leva a humanidade a busca constante do mistério
da alma, uma perspectiva religiosa que se formula ao longo da existência; pois
a alma não pode entrar no “reino dos céus” por outro caminho se não aquele
determinado pela religiosidade de cada individuo que se conduz pela fé.
(CAETANO, 2012: 29).
O ritual de passagem, o momento do
trespasse, passou a ser significativo para a sociedade medieval, pois
acreditavam que aqueles que não tinham uma boa passagem voltavam do mundo dos
mortos e ficavam a vagar, eram considerados fantasmas maléficos, em que
“apresentam para a comunidade dos vivos o perigo de uma mácula.” (SCHMITT,
1994: 17).
Desta forma, analisar a morte de
maneira mais global nos leva a observar algumas noções comuns, compartilhadas
pelo autor da obra Doutrina para Crianças.
Ramon Llull, para descrever os mistérios da morte, usou algumas noções
simbólicas, tal como: alma, corpo, inferno, paraíso, salvação e danação. Sendo
assim, por meio da analise semântica como meio de traduzir as ideias expostas
pelo autor com base em seu contexto, traçaremos esse caminho para
compreendermos a forma como a morte é representada pelo autor.
A alma e o corpo
A fé era um dos fundamentos do medievo. O medo,
por sua vez, foi um dos fatores mais relacionados com a crença no divino. O
medo da morte não era um medo sem controle, mas que pesava quando se tratava da
morte da alma, a maior preocupação. Pois, “para la teología cristiana, el
hombre está compuesto de cuerpo y alma, los cuales permanecen unidos hasta la
llegada de la muerte biológica, en cuyo momento se separará alma y cuerpo”
(MIRALLES, 2009: 292).
A morte física não era tão temida, mas a morte
espiritual, a morte da alma que passou a incomodar aqueles que se encontravam
distantes da fé católica. Desta forma, para muitos, o morrer não significava apenas a morte do corpo
físico, mas implicava no que estaria por vir. A “morte domesticada”, como ficou
conhecida até a Alta Idade Média e caracterizada como o sono prolongado, ganhou
a partir do século XII e XIII uma visão diferenciada. A leitura antiga da morte
tornou-se grosseira e foi considerada como o rompimento entre o corpo e a
alma.
A morte biológica não era a maior preocupação,
mas a danação após o fim desta vida. A mensagem cristã acentuava que “o homem,
para ter uma boa morte, deveria controlar e disciplinar os desejos do corpo”
(CAETANO, 2012: 11). O medo de não estar pronto para
a derradeira hora guiava o homem medieval no cotidiano. O ato de voltar-se para
Deus, assim, levava o homem medieval às “manifestações de piedade, praticando
todas as normas consideradas sagradas, inibindo as fantasias, a luxuria e
‘todos os desejos da carne’.” (CAETANO, 2012: 32).
Para Ramon Llull, temer a morte corporal era
algo natural. Mas o temor da morte por medo de servir a Deus era o pior temor
que se podia ter, pois a morte a serviço de Deus é uma honra e louvor, um
produto do Espírito Santo; esta noção ganhou muita força com as Cruzadas, quando a morte em nome de Deus
garantia a salvação e honras terrenas e celestiais. Ser um soldado de Cristo e
padecer na terra era, em última instância, sinais de desprendimento do
material, de entrega total ao Salvador e de esperança na vida em gozo eterno. Ao tomar o Filósofo, assim ele advertiu seu filho:
Filho, sabes por que a morte é temível? Porque não podes
fugir dela e não sabes quando ela te levará. Assim, se temes a morte, que não
pode te matar, mas somente teu corpo, temerás a Deus, filho, que pode colocar
teu corpo e tua alma no fogo perdurável (LLULL, 1274: XXXVI)[v].
A seleção de palavras interligadas entre si sobre
determinado tema é comum no campo semântico, que se busca compreender o
significado da palavra e sua relação com o tema central proposto dentro de um
discurso. Portanto, a alma e o corpo foram associados à morte em diferentes
aspectos.
A alma é o princípio imaterial que sobrevive à dissolução
corpórea. A alma é simultaneamente parte integrada ao corpo e objeto de juízo
divino, razão pela qual ele pode castigá-la ou recompensá-la. Ainda que o corpo
tenha sido também destinado à salvação, ele se tornou corruptível e
impulsionador do homem ao pecado, não mais sendo digno do ato remissor
crístico. Em Tomás de Aquino, por fim, a alma foi considerada a forma corporis, i.e., aquilo que confere
vitalidade ao homem (SCHÜLER, 2002: 36; SALVATI, 2003: 14).
A alma, desta feita, é uma parcela da essência humana que
não morre; mas o corpo, enquanto matéria, voltará ao pó (Gn 3,19) para que a
alma consiga se libertar e viver a eternidade para a qual ela foi criada.
Porém, esse destino eterno que ela seguirá dependerá do caminho que o homem
escolher seguir durante a vida, manifesto através do corpo. O homem pode,
então, seguir o caminho da obediência aos mandamentos divinos ou o caminho do
pecado. Desta forma, essa relação entre corpo e alma, podemos considerar,
dentro deste discurso, como uma relação de associação em que um está ligado ao
outro.
A morte é, nesses termos, a separação
do corpo e da alma, do corporal do espiritual. O autor apresentou duas mortes:
“a morte corporal aproxima a alma virtuosa de Deus, que vai para o Paraíso
quando o corpo morre. E a espiritual que existe na alma pecadora aprisiona o
corpo para suportar o eterno fogo infernal, e o submete a infinitos trabalhos.”
(LLULL, 1274: LXXXVIII. 1)[vi].
La muerte corporal no es más que la
disolución de la carne que vuelve a la tierra de donde fue tomada. Sin embargo,
el alma esperará al juicio final- momento en el que volverá a unirse a su
cuerpo mortal- y recibirá el premio o castigo que le corresponda por sus buenas
o males acciones durante su vida terrenal. (MIRALLES,
2009: 293).
A questão do corpo era presente,
principalmente porque estava vinculado ao pecado sexual durante Idade Média.
Ele foi considerado a prisão da alma e, quando a morte chegasse, a alma se
libertaria desse cárcere pecaminoso; desta forma, o homem deveria cuidar da
alma, e o cuidado com a alma garantiria a salvação dela.
Santo Agostinho também compartilhava a
ideia da existência de duas mortes. Segundo Isabel Mira Miralles, Santo
Agostinho considerava que a morte espiritual era ocasionada pelo pecado e por
isso era mais temida. Porém, para o justo, a morte da carne significava o ganho
de uma vida melhor na verdadeira pátria celestial, pois a vida é passageira
(MIRALLES, 2009: 295).
É possível ainda relembrar os conselhos
sobre a morte herdados pelos medievais do apóstolo Paulo. Na Carta aos Filipenses, ao comentar das
provações que enfrentou e certamente ao temer o abandono da fé cristã por
receio da perseguição, afirmou que
Segundo minha intensa expectação e esperança, de modo que em
nada serei confundido; antes, com toda confiança, Cristo será, tanto agora como sempre, engrandecido no meu corpo, seja
pela vida, seja pela morte. Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é
ganho (Fl 1,20-21. O grifo é nosso).
Na realidade, a situação também foi expressa em
outras cartas paulinas, como em Coríntios.
O esforço do Apóstolo não é um mero reviver externo da vida mortal e a morte de
Cristo, mas a participação e, de maneira metafórica, a experimentação do
sofrimento crístico - ou seja, tomar a Cruz. A renúncia total, inclusive da
própria vida, que garante a verdadeira vida, a saber, a vida eterna. “É a
lógica paradoxal da cruz de Cristo que marca indelevelmente o apóstolo: da
morte nasce a vida” (BARBAGLIO, 1989: 433).
Ao retomar o Filósofo e seu contexto, Ramon
Llull aconselhou seu filho a pensar na morte para assim desdenhar os desejos
mundanos: não se sabe quando a hora irá chegar, pois, pior que morrer uma vez,
é morrer todos os dias no fogo infernal. Da morte corporal o homem não pode se
livrar, mas a “morte da alma” é evitável. O homem foi criado para honrar a
Deus, e pensar na morte o inclinava a viver para servir a Ele.
Filho, a ti convém morrer, queiras ou não. Logo, como tens que
morrer, queiras morrer para honrar aquele Senhor que te criou, que te deu tudo
quanto existe, que pode te dar o fogo perdurável, que quis te dar a glória que
não tem fim e que por teu amor quis morrer. (LLULL, 1274: VIII. 16)[vii].
Nesses termos, o autor escreveu que a morte
dependeria da postura de cada indivíduo, pois não exige exatamente uma morte
cruel, já que a mais temível se tratava da morte da alma, a segunda morte que
destinará a condenação para a eternidade. Essa reflexão, que o autor direcionou
ao seu filho, pode ser analisada, segundo o conceito de representação, como uma
manifestação discursiva de noções ideológicas de um grupo – ou campo – imposto
ao outro, que aparenta um grau de universalidade fundado na razão. No entanto,
tal relação é elaborada segundo um ponto de vista social, ou seja, da Igreja e
dos seus pensadores. Esta é a razão pela qual o filho deveria morrer para
honrar a Deus e em condições para tanto; caso contrário, a recompensa seria o
fogo perdurável que representa o segundo lugar no Além, o Inferno. Essa razão é
descrita segundo o interesse do autor que seria de convencer seu filho a
desejar o caminho da honra a Deus.
O além: inferno e paraíso
Até a Alta Idade Média a “Geografia do Além”, como foi
chamada, estava dividida em duas dimensões: o Paraíso e o Inferno. Mas, a
partir do século XII, um novo lugar foi criado: o Purgatório. Os homens bons
iriam para o Paraíso, e o segundo lugar, o Inferno, era destinado aos
perversos. O Purgatório, por sua vez, surgiu como um lugar de penitência, “uma
vez que este local era visto como um espaço temporário no pagamento dos pecados
veniais” (ZIERER, 2008: 23).
Jean-Claude Schmitt, em seu livro Os vivos e os mortos na sociedade medieval, descreveu a forte
influência da Igreja sobre a sociedade leiga e sobre os religiosos, que
despertou uma moral religiosa que alertava sobre o mal do pecado, os castigos e
as penitências, assim como sobre a salvação.
Foi nesse contexto, segundo o autor, que o imaginário sobre
o Purgatório nasceu, no século XII, uma vez que “todo cristão podia esperar ser salvo, mas com a
condição de sofrer depois da morte castigos reparadores cuja duração e
intensidade dependiam” (SCHMITT, 1994: 18), sobretudo, das práticas religiosas
e das boas ações daqueles que estavam vivos. Nesse caso, o morto dependia das
preces, missas e esmolas dos vivos, principalmente seus familiares e amigos, que
deveriam agir dessa maneira pela salvação da alma do defunto.
Mas quem se dedicou especialmente sobre o
nascimento do Purgatório foi o medievalista Jacques Le Goff. Com o nascimento e
a criação desse novo espaço espiritual destinado aos pecadores veniais que
ainda poderiam ser redimidos, foi preciso uma categorização de cristãos em
quatro grupos, segundo as leituras de Agostinho.
Assim, o primeiro grupo daqueles que tem apenas o
pecado original seria composto pelas crianças, que não estavam relacionadas a
nenhum dos três lugares do além: Paraíso, Inferno ou Purgatório. Para o Paraíso
iriam os bons; o limbo seria o espaço destinado à morada dos justos da Antiga
Aliança e das crianças mortas sem batismo; o Inferno era dedicado aos maus; já
“os não inteiramente maus e os não inteiramente bons terão de passar pelo
Purgatório antes de seguir para o Paraíso” (LE GOFF, 1995: 263). No século XII,
essas quatro dimensões se reduz apenas ao Inferno, Paraíso e Purgatório.
O Purgatório era o espaço sine qua non para
o pagamento das penitências; mas Llull demostrou que sua vontade era que seu
filho alcançasse a salvação da alma sem passar pelo jugo do Purgatório. Desta
forma, ele escreveu que seu filho cumprisse as penitências apontadas pelos
padres todos os dias, para que seus pecados fossem perdoados e assim ele
pudesse receber a bem-aventurança do Paraíso, lugar para onde vão os santos. E
“por isso, enquanto estás neste mundo, filho, faz penitência, pois no outro
século será dada a sentença da glória eterna ou o fogo infernal.” (LLULL, 1274:
XXVI, 4)[viii].
No discurso do Filósofo
catalão, o Inferno foi representado como um lugar no centro da terra, uma
espécie de caldeirão com óleo fervendo, com cheiro forte (provavelmente de
enxofre), fechado e preenchido pelos gritos dos sofredores, de onde ninguém
pode fugir. Assim, Llull aconselhou que seu filho meditasse sobre esse lugar
para que ele pudesse temer a Deus e se afastar das práticas pecaminosas que
poderiam levá-lo para lá.
O Inferno era o lugar para onde iriam os maus, ou seja,
aqueles que não deram atenção à palavra do Senhor e dedicaram seus dias a uma
vida de prazeres terrenos. O discurso sobre a existência desse segundo lugar no
Além, o Inferno, tornou-se constante durante os séculos XII e XIII, pois a sociedade
vivia um apogeu econômico e muitos cristãos se desviavam da fé para viver os
prazeres que o dinheiro podia proporcionar, o pecado da ambição chegou a ser
considerada a raiz de todo caos que a sociedade enfrentava, como esta escrito
em I Timóteo 6,10: “Porque o amor ao dinheiro é a
raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se
traspassaram a si mesmos com muitas dores.”.
Diferentemente dos demais pregadores da época, Ramon
dedicou-se a tratar na obra também sobre o paraíso, o lugar dos salvos. Oposto
ao inferno, o Paraíso era simbolizado pela possibilidade de contemplar a face
de Deus. Llull escreveu para seu filho, para que ele nunca parasse de pensar
nessa bem-aventurança. Mesmo que quisesse, ele não conseguia encontrar palavras
para contar a maravilha da Glória do Paraíso, um local indescritível.
Analogamente, ele sugeriu que seu filho meditasse sobre o Inferno, para assim
temer a Deus, e aconselhou que ele refletisse sobre o Paraíso para comparar a
riqueza que estaria por vir.
Amável
filho, considera freqüentemente esta Glória da qual te falo, para que ali
estejas, e relembra o breve tempo desta vaidade mundana, pela qual muitos
homens perdem a Glória celestial; faz esta consideração, comparando o bem-estar
deste mundo com a Glória do outro século, para que entendas como o sábio
mercador é aquele que, por um dinheiro, sabe ter maior tesouro que toda a
bem-aventurança deste mundo.( LLULL, 1274: C. 8)[ix].
Os discursos não são textos transparentes, pois eles carregam
diferentes intenções e estratégias que variam de acordo com cada autor. Desta
forma, podemos observar nas palavras do beato a intenção de tentar convencer
não apenas seu filho sobre a escolha do caminho que leva o homem a salvação,
mas todos aqueles que leriam a obra, como já exposto anteriormente, pois se
tratava de uma obra com clara intenção de atuar como um manual pedagógico
religioso.
O medo do Inferno era mais comum do que a vontade de
descansar no Paraíso e receber as bem-aventuranças. Porém, Llull apresentou ao
filho mais informações sobre a recompensa celestial do que do fogo perdurável,
para que assim ele amasse a Deus a cima de todas as coisas e desejasse de todo
coração o Paraíso em vez de temer o Inferno. Llull externou seu desejo maior, a
saber, que seu filho fosse tão reto aos olhos de Deus a ponto de ir diretamente
para o Paraíso. Essa leitura é notada pela pontual menção ao espaço
intermediário: “[...] outro é o Inferno que é chamado Purgatório, no qual o
homem faz penitência porque não a cumpriu neste mundo” (LLULL, 1274: XCIX. 1)[x].
Essa é uma das poucas vezes que o Filósofo fez referência à existência do
terceiro lugar do Além e praticamente igualado em desprestígio ao comum espaço
dos pecadores.
Amável filho, assim como é boa coisa considerar
a Glória do Paraíso para que o homem ame a Deus, é boa coisa considerar as
penas infernais para que o homem tema a Deus, que pode dá-las a quem quiser.
Logo, como tu temes a Deus, desejo mostrar que deves cogitar as penas infernais
de diversas maneiras. (LLULL, 1274: XCIX. 2)[xi].
Para os que viveram dignamente, obedecendo os
mandamentos, está o Paraíso, de onde vem a verdadeira recompensa. Tal
recompensa viria com salvação da alma que incentivava as pessoas a se tornarem
cada vez mais devotas, isto é, a se prepararem para morte: “Saibas filho, que a
morte natural não rende frutos nem recompensa, aquele que ama não sabe morrer e
quem tem medo de morrer não está em estado de salvação” (LLULL, 1274: VIII. 20)[xii].
De acordo com o Filósofo, o que lhes garantia
tal recompensa pela vida devota a Deus era o que Cristo fez pelos homens. Em
suma, Deus tornara-se homem, passara pelas tentações mundanas, e vencera cada
uma delas, como nos quarentas dias no deserto, ao sofrer a tentação satânica.
Por fim, Jesus foi levado à morte, ressuscitou e teve seu corpo glorificado.
Para ser exato, ele estava na glória com o Pai, pois este mundo de pessoas
impuras e corruptíveis não seria digno de tê-lo.
Na ascensão do Filho de Deus está significada a
ascensão e a elevação que o teu corpo terá no céu, filho, no dia do juízo, se
fores neste mundo um servidor, amante e louvador do Filho de Deus. Pois assim
como o Filho de Deus veio a este mundo tomar a nossa natureza e se elevar aos
céus com ela, subirão aos céus todos os corpos daqueles e daquelas que neste
mundo foram Seus servidores, que acreditaram na Sua encarnação e choraram para
honrar Seus honramentos. (LLULL, 1274: XI. 2)[xiii].
O desejo de estar com Ele no Paraíso e a ciência
de que o tempo na terra era curto levou os homens da Idade Média a praticar a
piedade, aspirando pelo descanso eterno ao lado do Salvador. Llull alertou seu
filho neste sentido ao escrever: “Filho, se desejas te elevar lá onde está
Jesus Cristo, eleva teu pensamento e teu desejo a Ele, desce tua lembrança à
vileza de onde vieste e à falta na qual estás neste mundo para que sejas
estimado no outro.” (LLULL, 1274: XI. 6)[xiv].
A vida, portanto, é dominada pelo pensamento da
morte, e uma morte que não é o horror físico ou moral da agonia, mas a ausência
de vida, o vazio da vida, cuja incitação envolve a razão a não se apegar a ela,
existindo uma relação estreita entre o bem viver e o bem morrer. (CAETANO,
2012: 37)
O medo de não estar pronto para deixar este
mundo era compartilhado entre os homens e servia para ajustar as atitudes
sociais. Na Doutrina para Crianças de Ramon Llull percebemos a
preocupação de um pai com a educação de seu filho, tanto na dedicação quanto
pelos temas evocados: a devoção a Deus e a salvação da alma são os focos
principais do autor.
A morte seria a prática
mais honrosa para o homem que dedicou seus dias à obediência divina e
sacrificou os desejos da carne. O Além é o lugar preparado para as pessoas que
temeram ao Senhor, uma recompensa eterna para aqueles que obtiveram a salvação
da alma. Mas para aqueles que temem a morte corporal e se orgulham das práticas
profanas está reservado o fogo infernal:
A peça essencial do sistema não foi o Paraíso, mas o
Inferno. A Igreja Católica para incitar os fiéis a trabalhar por sua salvação,
apresenta-lhes mais o medo do Inferno que o desejo do Paraíso. Diante da morte,
eles temiam menos a própria morte do que o Inferno (LE GOFF, 2002: 33).
A existência do inferno pregada nos
sermões tornou-se um pensamento vivo que permeou o imaginário dos cristãos. Por
temer o castigo infernal era preciso se esquivar do mal num constante embate
traçado entre suas vontades de seguir a vida de devoção a Deus e a vida de
prazeres terreno.
Tal imbróglio motivava a preocupação da
vida após a morte, o Além, lugar para onde iam as pessoas pouco após morrer,
numa consequência da vida terrena: os bons seguiam o caminho do bem, o Paraíso,
e os maus iam para o Inferno. Assim, “a vida aqui em baixo é um combate, um
combate pela salvação, por uma vida eterna; o mundo é um campo de batalha onde
o homem se bate contra o Diabo, quer dizer, em realidade, contra si mesmo” (LE
GOFF, 2002: 22).
Curiosamente, a morte corporal não
causava tanto estranhamento aos medievais, uma vez que a taxa de mortalidade
foi alta durante todo este período. Talvez este fator tenha propiciado uma
interação maior entre os vivos e os mortos, como bem alertou Jean-Claude
Schmitt. Para este autor, a aproximação entre as sepulturas e as casas
intensificou a relação entre os vivos e seus defuntos. Porém, a existência do
Inferno e a incerteza da salvação sacudiam o indivíduo no momento final da
vida. O caminho que a alma do defunto iria seguir era um elemento basilar nas
preocupações humanas.
A aflição por conta dos dias de terror
e a possibilidade de um futuro de tormento assombravam os homens e mulheres da
Idade Média. Esse temor representava o sentimento diante da morte. Essa
insegurança caracterizava a sociedade medieval, e por isso o beato alertou seu
filho sobre a necessidade de seguir o caminho de retidão na terra abandonando o
pecado. O amor pelas coisas mundanas proporcionava prazer e tentava os homens
para além do recomendado pelos clérigos e pela Igreja, mas não eliminava do
pensamento a preocupação com a salvação, pois,
Assim como todos os anjos e todos os santos as glória, com
cantos de muita doçura e numa grande procissão, saíram para honrar Nosso Senhor
Jesus Cristo quando ascendeu em glória, os demônios saem do inferno com um
olhar muito horrível quando os homens pecadores passam deste mundo para outro,
de tal maneira que os colocam e os atormentam no fogo perdurável. (LLULL, 1274:
XI. 4)[xv].
A recompensa após a morte: salvação e
danação
Diferente dos demais pregadores que
buscavam lembrar seus ouvintes a cerca do inferno para assim eles aprenderem a
se afastar do mal, Llull se preocupou em abordar junto ao filho sobre a
grandeza da salvação e as bem-aventuranças aos homens que temeram a Deus e
viveram seus mandamentos aqui na terra, pois acreditava que o homem que
aprendesse a amar e temer a Deus ainda quando criança saberia se esquivar do
mal, do pecado que levaria o homem à danação sem fim. Essa afirmação do autor
está com base na passagem bíblica do livro de Provérbios que diz: “Educa a criança no caminho em que deve andar; e
até quando envelhecer não se desviará dele.” (Pv 22 : 6).
A
salvação é a virtude de Deus para aqueles que escolheram ter as sete virtudes[xvi]
humanas, inspiradas pelo Espírito. E o homem que pensa ter a salvação por seus
próprios meios está tão errado quanto aquele que pensa na danação por suas
escolhas danosas. Mas o dom da salvação, segundo Llull, foi dado por Deus para
aqueles que são humildes ao reconhecer seus erros e mesmo assim escolheram o
caminho da misericórdia.
Desta forma, podemos entender que
a preocupação do autor era que seu filho escolhesse o caminho da salvação, como
podemos observar no excerto a seguir:
Deus te
deu a vontade livre para que sejas amante da salvação e desames a danação.
Logo, assim como Deus deu ateu corpo todos os membros que pertencem ao corpo do
homem, e deu à alma todas as potências que lhe convém, deu à tua vontade livre
tudo o que pertence para desejares a salvação e odiares a danação, para que
desejes receber a salvação tão somente pelos dons de Deus (LLULL, 1274: LIX. 8)[xvii].
Para explicar sobre a
nobreza de ser salvo, Ramon escreveu para seu filho sobre a escolha do filho de
Deus, que aceitou vir ao mundo como homem para padecer a morte mais angustiante
e assim salvar a humanidade. Porém, Llull deixou claro que nenhum homem é digno
de salvação por suas obras, pois Deus dá a salvação segundo sua vontade. O
homem que se aproxima de Deus pelo interesse da salvação é hipócrita, ou seja,
age de maneira oposta à salvação, assim é necessário que Deus deseje salvá-lo
por meio de sua misericórdia.
Em suma, o caminho da
salvação é uma escolha que o homem deve fazer, pois, segundo a citação acima, o
homem é livre para escolher o caminho que deve seguir. Por isso, Llull, ao
escrever sobre as virtudes, lembra as recompensas daqueles que escolhem ou o
caminho da salvação ou o caminho da danação. No entanto, seu maior interesse
era que seu filho não desperdiçasse seu tempo com coisas passageiras e
preparasse a si próprio para a salvação em Cristo.
***
Com a popularização dos discursos sobre a morte, assuntos
como o Paraíso, o Inferno e o Purgatório tornaram-se as ideias-chave, sobretudo
a segunda. O destino da alma após a morte começou a inquietar a sociedade e,
assim, a danação eterna que esta no inferno foi descrita por Llull como a perda
da glória do Paraíso. O beato desejava que esse não fosse o motivo primordial
que levasse seu filho a seguir o caminho da fé cristã, pois acreditava que o
mais importante era amar a Deus.
O homem, por mais justo e virtuoso que fosse, ainda seria
indigno de receber a salvação. Porém, o pior destino estava destinado àquele
que deixou a fé e, por isso, digno da penitência eterna e infernal.
A vontade de Llull não era dissuadir seu filho a viver o
caminho que ele escolheu pelo temor, mas oferecer explicações racionais,
filosóficas e religiosas que guiassem a opção de Domingos, seu filho. A
essência era a liberdade do espírito:
Filho,
podes sentir em tua alma o livre-arbítrio, o qual Deus deu ao teu coração para
que possas fazer o bem ou o mal, e que, por fazeres o bem, Deus tenha razão
para te dar salvação, e que pelo mal, sejas impulsionado à tua danação. Mas
como a salvação é coisa mais nobre que tua vontade e que o bem que tu podes
querer ou fazer por ti mesmo, sem a graça de Deus não podes ter salvação. E
como a tua vontade tem poder de querer fazer o mal, tu, todo homem e cada homem
por si mesmo, podem eleger a danação sem a ajuda de Deus. (LLULL, 1274: LXVII,
5)[xviii].
Independentemente do caminho escolhido, as consequências
eram certas, e assim o beato mostrou para seu filho o que estaria reservado a
ele de acordo com o caminho que optasse; Ainda que utilizasse uma ênfase pouco
comum, i.e., o enfoque nas recompensas celestiais, ao cogitar as penas
infernais, o Filósofo ajudaria seu filho a se manter longe do pecado e, desta
forma, temer ao Senhor criador.
O medo de perder a salvação da alma se
refletia nas práticas diárias, pois “o homem, para ter uma boa morte, deveria
controlar e disciplinar os desejos do corpo” (CAETANO, 2012: 11). Neste
intuito, Llull aconselhou seu filho que a fugir dos pecados que levaria a
danação através dos pensamentos sobre a grandeza de Deus, além das qualidades
intrínsecas do bom cristão, como ter humildade e praticar a caridade, para que
em seu coração o pecado não criasse raízes.
Em suma, a morte não era representada
pelo momento do trespasse, ou seja, apenas pela transição da situação de
vivente para moriens, mas pelo temor
cotidiano e constante que esse momento futuro e incerto causava na sociedade.
Era preciso se preparar desde a infância para a morte, pedir perdão a Deus
todos os dias, ser bom, justo, humilde, fiel, caridoso e prestativo, uma
réplica do Cristo encarnado.
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[i] “al comensament deu hom mostrar a son fill les coses
qui son generals em lo mon, per que sapia devallar a les specials.” Ramon
Llull, Libre de Doctrina Pueril, Del
Prolech, 1.
[ii] “la mort sacosta a nos tots jorns” Ramon Llull, Libre de Doctrina Pueril, Del Prolech,
1.
[iii] “Paradís es ver Deu e esses ab Deu em
gloria.” Ramon Llull, Libre de Doctrina Pueril, Cap. 100.
[iv]
Na Idade Média os sermões eram usados como meio de cristianização e de
instrução, uma vez que a sociedade era a maioria iletrada. Sendo assim, se
fazia necessário usar outros meios que pudessem atingir toda a sociedade,
nobres, intelectuais ou iletrados, desta forma os sermões são apresentados como
meio mais prático e eficiente para alcançar o objetivo de “produzir na prática
comportamentos ou condutas tidas como legítimas e úteis.” (PARMEGIANI, 2008:
22).
[v] “¿Sabs, fill, la mort per que es temable? Per so ocar no
li pots fugir e no sabs quant te pendrá: on si la morte, qui not pot auciure
mas lo cors, tems, tembrás ja, fill, Deu, qui lo cors e la anima te pot metre
en foch perdurable.” Ramon Llull, Libre de Doctrina Pueril, Cap. 36: 9.
[vi] “Mort corporal es departiment de cors e
danima, e mort espiritual es en lanima quis lunya de Deus; e per assò, fill,
son dos morts: la mort corporal, qui acosta lanima vertuosa a Deus, la qual va
en paradis con lo cors mor, e la mort espiritual, qui es en lanima pecadora e
estoge lo cors a sostenir eternalment foch infernal, e fa esses sotsmesa a
infinits trebays. Ramon Llull, Libre de
Doctrina Pueril, Cap. 88: 1.
[vii] “amorir te cové, fill, vulles o no: e donchs,
pus que has a murir, vulles murir per honrar aquell senyor quit há creat e quet
dona tot quant has, e quit pot dar foch perdurable e quit vol dar gloria qui no
ha fi, e qui per la tua amor es vulgut murir. Ramon Llull, Libre de Doctrina Pueril, Cap. 8.
[viii] “dementre que est viu, fill, em aquest mon fé
penitencia; car em l altre segle donada es la sentencia de gloria eternal o de
foch infernal”. Ramon Llull, Libre de Doctrina Pueril, Cap. 26, 4.
[ix] “Amable fill,
considera sovin en esta gloria de quet parle, per so que he sies; e remembra lo
breu temps d esta vanitat mundana per la qual molt hom pert la celestial
gloria; e fé en ta consideracio comparacio de la benanansa daquest mon e de
gloria del altre segle, e entén com savi mercader es qui per un diner sab aver
major tresor que total a benenansa dquaest mon.” Ramon Llull, Libre de Doctrina Pueril, Cap. 100, 8.
[x] “[...] lautre
es lo infern qui es apellat purgatori, en lo qual hom fa penitencia per s ocar
no la cumplida em aquest mon” Ramon Llull, Libre
de Doctrina Pueril, Cap. 99, 1.
[xi] “Amable fill,
en axi com es bona cosa considerar en la gloria de paradis per so que hom am
Deu, en axi es bona cosa considerar en les penes infernal, per so que hom tema
Deu qui les pot donar a quis vol. On, per assò que tu temes Deu, vull mostrar
que tu degues cogitar en les infernals penes, en diverses maneres.” Ramon
Llull, Libre de Doctrina Pueril, Cap. 99, 2.
[xii] “Sapies, fill, que mort natural no ret fruyt
ne gazardó, ne aquell qui no ama no sab murir, ne qui no gosa murir no es en
estament de salvacio”. Ramon Llull,
Libre de Doctrina Pueril, Cap. 8, 20.
[xiii] “En lascensio
del Fill de Deu es significada lasumcio el pujament quel teu cors ferá, fill,
al dia del judici, en lo cel, si em aquest mon est servidor e amador e loador
del Fill de Deu; car en axi com lo Fill de Deu vench en aquest mon pendre
nostra natura e sen pujá al cel ab ella, en axi
pujará en los cels tots los cossos daquells qui son e daquelles, qui en
est mon serán estats sos servidors e qui creurán la sua encarnacio e qui
plorerán per honrar sos honraments.” Ramon Llull, Libre de Doctrina Pueril,
Cap. 11, 2.
[xiv] “Fill, si vols
pujar là on es Jhesu Christ, puja ta pensa e ton design a ell, e devalla ton
remembrament a la viltat d on est vengut e al defalliment en lo qual estás en
aquest mon; e menys preá aquest mon, per so que sies preat em laltre.” Ramon
Llull, Libre de Doctrina Pueril, Cap. 11, 6.
[xv] “En axi com
tots los ángels e tots los sants de gloria ab cant de molt gran dolçor e ab
gran professó exiren a nostro Senyor Jhesu Christ per fer honrament con pujá en
gloria, en axi als homens peccadors con passen daquest mon en laltre ixen los demois de inferna b
molt horrible esguardament, per tal que en foch perdurable los meten els
turmenten.” Ramon Llull, Libre de Doctrina Pueril, Cap. 11, 4.
[xvi]
“Nestes termos, o Filósofo elencou as bem-aventuranças centrais, que seriam,
nesse ponto de vista, oito: Do Ato de Reinar, Da Possessão, Da Consolação, Do
Cumprimento, Da Misericórdia, Do ato de ver Deus, Da Paciência e Da
Recompensa”. SANTOS, 2014.
[xvii] “Deus ta donada franca volentat per so que
sies amador de salvacio e que desams dampnacio: e en axi com Deus ha donat a
ton cors tots los membres quis pertanyen a cors dome e ha dada a la anima totes
les potencies que a anima se covénen, en axi ha Deus donat a ton franch voler
tot so qui pertany a desirar salvacio e airar dampnacio, per so que desires a
reebre salvacio tant solament per los dons de Deu.” Ramon Llull, Libre de
Doctrina Pueril, Cap. 59, 8.
[xviii] “En ta anima pots sentir franca volentat, la
qual Deus ha donada a ton coratge per so que pusques fer be o mal, e que per
fer be Deus aja rahó quet do salvacio, e per lo mal sies occasionat a
dampnacio. Mas car salvacio es pus noble cosa que ta volentat ne que ls bens
que tu pots voler ne pots fer per tu metex, sens la gracia de Deu no pots aver
salvacio. E car la tua volentat ha poder de voler e de fer mal, per assò tu per
tu metex e tot altre hom per si metex pot eléger dampnacio sens ajuda de Deu.”
Ramon Llull, Libre de Doctrina Pueril, Cap. 67, 5.
Sidinei Sganzerla
ResponderExcluirTendo em vista a tradição cristã que muito contribuiu para a atual educação das crianças e da forte presença desta nas instituições de ensino,pode-se afirmar que ainda estamos sob pleno domínio cristão em nosso sistema de ensino escolar? Sabendo, entretanto, que a legislação brasileira tem o ensino de forma laica e universal.
Sidinei Sganzerla- Curitiba-Pr
Sidinei, boa tarde. Obrigado pela pergunta.
ExcluirA questão é bastante abrangente para uma curta resposta, mas farei o meu melhor. Eu diria que não estamos mais no imperativo cristão, ao menos no Brasil. O Estado é laico e basta observar os principais livros didáticos em circulação no país para verificar que outros paradigmas estão em vigência. Certamente há casos esporádicos de reafirmação do paradigma cristão (exigência de orações em escolas públicas, negação de ensino de História Afrobrasileira e suas religiosidades, etc.), mas não diria que há um movimento orquestrado para tal.
Renan Birro
Dara Dzovoniarkiewicz.
ResponderExcluirAté que ponto a instituição da morte, e do “medo da punição” no imaginário das pessoas desde a Idade Média influenciaram na conduta moral das pessoas? Qual a recorrência disso nos dias atuais?
Dara Dzovoniarkiewicz - Bituruna/PR
Prezada Dara, boa tarde. Obrigado pela pergunta.
ExcluirA influência foi e ainda é forte, ao menos em contextos sociais onde o cristianismo é predominante. Uma excelente resposta para sua pergunta está na obra "Ano 1000, Ano 2000: em busca dos nossos medos", do medievalista francês Georges Duby.
Cordialmente,
Renan Birro
O medo da morte era uma forma de controle social? de uma certa forma este medo trouxe o desenvolvimento civilizatório à sociedade, normas para o bem viver: não matarás, não roubarás, não desejarás a mulher do próximo, etc. Mas hoje em dia vemos que alguns pastores ainda usam esta mesma linguagem em seus sermões. Seria esta ideologia um paradoxo? naquele tempo houve a necessidade de civilizar os homens, hoje ao que parece, este mesmo discurso está sendo usado para denegrir, enganar, enfim, piorar a convivência em sociedade.
ResponderExcluirRossiley Ponzilácqua
Prezado Rossiley, obrigado pela pergunta. Boa tarde.
ExcluirEu não diria um controle, mas uma tentativa. Os homens, seja no período medieval ou hoje, continuam a praticar atos contrários aos ensinamentos cristãos. A questão dos ganhos civilizatórios é complexa, ao considerar o relativismo cultural, pois implica que algumas culturas são melhores que outras.
Dos sermões atuais, o que percebo é a falta de preparo teológico e um certo fanatismo. Digo isso por experiência familiar e de vida: fui criado num lar evangélico uma parcela considerável de meus parentes é evangélica, incluindo pastores, diáconos, etc. Muitas vezes eles desconhecem questões teológicas básicas e noções históricas simples, como interpretar a Bíblia à luz de acontecimentos e contextos de dois ou três mil anos atrás, ou ainda o contexto de produção da Bíblia. Em última instância, o texto sagrado tem sido usado atualmente, na maioria dos casos, como elemento legitimador de políticas extremamente deploráveis nas mãos de indivíduos com pouca capacidade reflexiva, mas de grande alcance social.
Cordialmente,
Renan Birro
obrigada em responder,
ExcluirRossiley
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBoa noite.
ResponderExcluirA minha pergunta é mais uma curiosidade sobre o conteúdo para os quais esse livro do Llull foi escrito. Vocês apontam que o livro, além de conter instruções para o filho de Llull, se tratava de um manual pedagógico. Llull, nesse caso, estaria apenas reunindo o que era consenso dentro da Igreja Católica sobre o assunto, ou ele também teria incluído ideias próprias, promovendo uma teoria do trespasse e do além em torno dos locais que ele descreve e dos caminhos para se alcançar o Paraíso e fugir do Inferno?
Esqueci de assinar o nome.
ExcluirMayara Faccin
Oi, Mayara
ExcluirPodemos dizer que sim, ele compartilhava daquilo que a igreja defendia sobre a questão do que existe no pós morte, mas também incluiu suas ideias. Podemos perceber isso na preferência que ele tinha em descrever o céu, o paraíso, a salvação, enquanto a igreja se preocupava em convencer com o sermão sobre o inferno. Llull acreditava ter recebido um dom especial que ele considerava sua Arte, era o dom de escrever e seus escritos tinham o propósito de propagar o amor a Deus e de Deus, pois assim a pessoa se aproximaria pelo amor a Ele, e não por medo da perdição após a morte.
Cordialmente,
Priscila
Acredito que o temor da morte no Medievo seja um eloquente recorte para a abordagem da História das Mentalidades do período medieval no Ensino Médio. Vocês apontariam algum texto teórico que seja atrativo para os discentes da educação básica e que tratem desta temática?
ResponderExcluirObrigado,
Lucas dos Santos Silva
No catolicismo "popular" há uma relação de confiança entre os vivos e os santos, o devoto e a divindade. No caso de quebra de confiança os santos são coagidos e sofrem ameaças para atender aos pedidos do devoto. No caso da devoção ao arcanjo Gabriel, cabia a ele avisar ao devoto o dia da sua morte para que ele pudesse se preparar. Será que não necessitamos de pesquisar mais pontuais para mostrar as especificidades desse imaginário em torno da morte e dos rituais fúnebres?
ResponderExcluirVera Lúcia Caixeta
Caro Prof.
ResponderExcluir*Essa culpa cristã do medievo parece ainda bem presente hoje,não lhe parece?
*Esses valores e o medo da morte e suas consequências são questões que se explicam quando precisamos manter a Igreja no centro do mundo não lhe parece?
Desde já, grato
Alfredo Coleraus Sommer
Numa justificativa para tratar do imaginário da “boa morte” no antigo extremo norte de Goiás, hoje norte do Tocantins, explicitei que o ato de morrer, não pode ser visto apenas como um fenômeno biológico natural, pois ele contém uma dimensão simbólica, ou seja, apresenta-se como um fenômeno impregnado de valores e significados dependentes do contexto histórico em que se manifesta. Nesse sentido, é um objeto da história, com grandes possibilidades de tornar inteligíveis os valores religiosos disponíveis na cultura Ocidental, vindo da tradição judaíco-cristã, ligadas à morte que permaneceram ou se modificaram no século XX e XXI. Nossa proposta é analisar o imaginário da “boa morte” como uma estratégia específica dos “sertanejos” para driblar tanto o imponderável da morte quanto os princípios da oficialidade católica. Nesse processo se inscreve o imaginário como lugar de ressignificações e sentidos. Sabe-se que o imaginário em suas redes simbólicas disseminadas, desconstrói os horizontes das formações sociais oficiais, revertendo imagens. Então, perguntamos: quais são os usos que o crente faz do que lhe passam? O que fabrica com o que lhe é dado? Quais os rituais que fazem parte da arte do “bem morrer” e como eles são resinificados? Será que ainda é possível encontrar resquícios da “boa morte” no antigo norte de Goiás?
ResponderExcluirCerteau no seu livro A invenção do cotidiano nos remete às culturas populares que, em sua sabedoria camaleônica, aceita sem aceitar, incorpora subvertendo, reproduz ressignificando e se utilizam de elementos da própria religião oficial para inverter seu funcionamento. Assim, os contos, as lendas são jogos num espaço outro, do passado, do maravilhoso, das origens. Ali estariam as táticas e os discursos estratégicos das pessoas e dos grupos sociais. Tais histórias formalizam as práticas cotidianas de simulação/dissimulação que costumam inverter as relações de forças na sociedade (CERTEAU, 1998). Atentamos, então, para as formas e maneiras como os elementos da fé, da tradição e do dogma são construídos, interpretados e transformados pelos homens e mulheres “sertanejos”.
Vera Lúcia Caixeta
Qual era a noção de criança que havia na época da escrita do texto de Llull? Sabemos que a concepção que temos do que é ser criança esta inserida num contexto relativamente recente na história, bem como sobre o que é ser mãe, bom funcionário e etc. Será que a criança abordada no texto não é simplesmente um "adulto" sem a devida instrução? - João Gilberto Solano.
ResponderExcluirBoa noite!Me questionei a respeito do conceito de criança no contexto histórico em que foi escrito este manual pedagógica, sabendo que a criança até pouco tempo era desconsiderada como indivíduo capaz de decidir sobre sua individualidade. Gostaria muito saber.
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