Bruno Flávio

O QUE TEM A VER A HISTÓRIA ENSINADA NA UNIVERSIDADE COMO CIÊNCIA COM A HISTÓRIA ENSINADA NA ESCOLA COMO MATÉRIA? A CRIAÇÃO DO CURSO DE MESTRADO EM HISTÓRIA DA UFPR EM 1971 E A ANÁLISE DA RELAÇÃO HISTÓRIA ACADÊMICA E NÃO-ACADÊMICA

Bruno Flávio Lontra Fagundes



A história de cursos de História é campo recente de pesquisa, não por coincidência incrementado num momento em que muito do conhecimento histórico produzido pela ciência histórica sofre concorrência de produções que configuram uma "cultura da memória", da qual deriva "desde a década de 1970", segundo Huyssen (2004), a restauração historicizante de velhos centros urbanos, cidades-museus, empreendimentos patrimoniais e heranças nacionais, a onda da nova arquitetura de museus, o boom das modas retrô, a comercialização em massa da nostalgia, a obsessiva musealização através da câmera e do vídeo, a literatura memorialística e confessional, o crescimento de romances autobiográficos e históricos pós-modernos, a difusão das práticas memorialísticas nas artes visuais (tendo a fotografia como suporte) e o aumento do número de documentários na televisão". Nos EUA, o History Chanel é um canal só de História. São produções, praticamente, sem a assinatura de profissionais de formação em História. Produções acreditadas como "história", por mais que o especialista contradite dizendo que "não é história, é memória". Esse "neo-historicismo" (SARLO, 2007) não é exclusividade da Europa e Estados Unidos e sua análise favorece examinar o que disso alcança o Brasil.

Duas, basicamente, podem ser as atitudes ante essa realidade que faz crer que podemos tudo guardar e nada esquecer.

Uma, é, superiormente, desprezar toda essas "modalidades comerciais" de uma "indústria de memória", olhando-a a partir do lugar de autoridade que a academia nos atribui, seguindo sem se perguntar sobre prováveis efeitos desse quadro sobre a História ciência, ciosos do princípio de que a ciência só deve prestar contas a si mesma e entendendo que a legitimidade a qual justifica investimento público e políticas setoriais podem prescindir, sem consequências, do reconhecimento e do gosto de públicos que procurariam a História acadêmica caso suas práticas tivessem no horizonte de públicos outros públicos que não apenas especialistas e pares.

A segunda atitude é aceitar que essa realidade coloca questões relevantes para a História ciência pensar a si mesma, e que esse auto-exame requer investigar o processo de institucionalização de cursos de História brasileiros e as razões que definiram qual tipo de profissional formar, com que habilidades, em que lugares de atuação e as funções do profissional da área. Algo que ensejasse, talvez, o valor de apresentar a História segundo linguagens universais sem hermetismos, em formatos editoriais e meios que se dispusessem a públicos não só de experts. Essa atitude facilitaria contar, a nosso ver, com a promoção do especialista em História como alguém cuja condição profissional justificasse o reconhecimento social do investimento público e da elaboração de políticas setoriais legitimadas, e mesmo moduladas, por pessoas que não estivessem envolvidas com interesses de verbas e recursos dentro do sistema de ciência.

Há estimativas de que quase oitenta por cento dos colegiais aprecia história, mas em sites, fruídas no filme e na televisão, nas revistas e livros de desenho e em meios de entretenimento que acabam sendo formadores de ideias.

O livro didático e sua indústria estão implicados nessa conjuntura. Seu público escolar pressiona para que se modifiquem a fim de acompanhar essa "indústria da História", confeccionados com imagens, desenhos, referências a links de sites que remetem a sons, a filmes, documentários, séries de tevê, onde a história é apresentada, e aceita, como produções que são tidas como história, mesmo sem o aval do especialista. Marc Bloch (2001) queria que a História também fosse diversão e Albuquerque Junior (2012) lamenta que a apresentação do conhecimento histórico pelo historiador profissional tenha perdido o componente estético de beleza e prazer que tanto encantava nos textos de historiadores da Antiguidade.

É razoavelmente comum que muitos historiadores em formação relacionem História disciplina acadêmica e História matéria escolar segundo critério reprodutivista. Enquanto uma produz, a outra meramente reproduz. Ainda é comum -- com ressalva para autores do campo do Ensino -- lamentar-se, nostalgicamente, do fato de que progressos da ciência histórica na universidade demoram muito a chegar à escola, sempre em atraso.

São de autores da área do Ensino a defesa do princípio do contraditório, advogando que são histórias diversas as que produzem universidade e escola.

Se especialistas na universidade produzem conhecimento histórico pela adesão a temas e abordagens em escala de valor conforme interesses institucionais e de acordo com meios que reconhecem metodologicamente indispensáveis para uma "boa" história, assim não se passa na escola. Ali também se produz história, com a diferença de que seus "produtores" o fazem pela adesão a objetos segundo escala de valor e atribuição de fins à história que seguem interesses e curiosidades que não são as da academia universitária. O conceito de "cultura histórica escolar" embasa essa assertiva e põe cunha no argumento dos que ainda hoje defendem a matéria escolar História na escola reprodutora do conhecimento acadêmico. Conexo à ideia de "cultura histórica escolar", há outra de "cultura histórica especialista", cujos fins não se coincidem.

Mas o que liga a reflexão até aqui com o curso de Mestrado em História da UFPR criado em 1971? Dissemos, acima, "ciência histórica que se pratica no Brasil", e importa considerar o fato de que ciência é prática que contém diferentes concepções e se estrutura numa organização que define contornos de procedimentos decisórios e gestão administrativa que impactam a formulação das finalidades, objetivos e funções de seus cursos. O conhecimento que se produz nesse lugar não é alheio a sua organização institucional.

A história da implantação do sistema de ensino superior brasileiro em áreas não-práticas de conhecimento tem dupla filiação: alemã, no plano epistêmico, e americana, no plano organizacional.
O sociólogo da ciência Joseph Ben-David assegura que a invenção da "universidade de pesquisa" é criação alemã do século XIX, sendo marco a Universidade de Berlim criada em 1808. O apoio estatal às novas universidades alemãs "decorria da aceitação de uma filosofia especulativa que exaltava uma ideia acientífica de uma cultura filosófica, literária e histórica, que, segundo se acreditava, era superior a tudo mais." (BEN-DAVID, p.162)

No plano organizacional, o modelo americano de racionalização regulado pela produtividade acadêmica que pôs fim ao sistema de cátedras foi adotado no Brasil ao longo dos anos 1960, por medidas legais que redundaram na Reforma Universitária de 1968. Os acadêmicos norte-americanos "precisavam limitar-se a uma poderosa tradição anglo-americana de instrução prática integral. (...) Os estudantes desejavam ser inteiramente instruídos na prática: não desejavam começar a aprender esse aspecto de suas profissões depois de sair da universidade" (BEN-DAVID, p.202). Este o espírito da reforma universitária ao racionalizar o sistema de ensino superior no país, enfrentando a herança catedrática e oligárquica de nossas universidades.

Muitos de nós sequer cogitamos de que História acadêmica e História escolar não tenham sido sempre separadas, de que esse descompasso durante muito tempo não existiu, acostumados com a ideia de um sistema de organização de ensino superior e com cursos de História como se fossem algo sem história.

Aqui referimo-nos ao processo de institucionalização do curso de História da UFPR, com destaque para seu curso de Mestrado.

O curso de História, então, reunia condições de pleitear junto ao Ministério a criação de sua pós-graduação no mesmo momento em que um sistema de pós-graduação estava sendo organizado no país como item estratégico da política desenvolvimentista dos governos militares. Na esteira do processo de prestigiar a ciência como investimento de retorno produtivo inequívoco, recursos financeiros foram liberados para universidades, e mesmo cursos que não tinham como finalidade a produção de resultados práticos foram beneficiados por grande financiamento.

O estudo da História dos cursos de História favorece o conhecimento de como, no processo de institucionalização da História como saber de especialistas no Brasil, foram sendo separadas universidade e escola. O curso de História e seu mestrado da UFPR ilustra bem essa passagem que marca a história dos cursos de História brasileiros.

A história do curso de Mestrado na UFPR e a relação de seus criadores com a história escolar registram o equacionamento da relação História acadêmica e História escolar postulada como coisas separadas. A criação da pós-graduação no Brasil separou não só escola e universidade, mas ensino e pesquisa e pesquisador e professor no horizonte dos formuladores de políticas públicas voltadas para a educação. Acontecimentos e personagens ligados à implantação do curso de Mestrado em História da UFPR, assim como acontecimentos derivados de sua consolidação, exemplificam como se configuraram as condições que caracterizaram a separação História universitária e História escolar.

Baseado numa ideia superior de ciência, ancorado em resultados que o levaram a um grau de excelência nos anos 1970, o Mestrado em História da UFPR expressava aquele processo histórico de separação, firmado por uma política setorial para o ensino superior que superprestigiava a pesquisa - visando o projeto desenvolvimentista científico-tecnológico dos governos militares - e subprestigiava o ensino. Nesse processo, a ciência histórica produzida na UFPR ajudou a reiterar concepção hierárquica entre universidade - produtora - e escola - reprodutora - de conhecimento. Em 1975, a ANPUH passava a participar da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o que inscrevia a História num sistema de ciência inequivocamente.

Nos anos 1980, há acontecimento que revela o enraizamento do curso de Mestrado em História da UFPR numa referência de História Ciência em busca de legitimidade - e verbas - num sistema que hipervalorizava a produção de conhecimento novo pela pesquisa. Quando, em meados dos anos 1970, começaram pressões dentro da ANPUH para que professores secundários participassem da associação, houve reação. Professores achavam que a "História estava se abrindo demais", conforme testemunha ex-professora do Mestrado da UFPR, e compreendiam que a História Científica iria ser prejudicada pela intromissão de amadores e diletantes.

Como contragolpe, especialistas da pesquisa criaram, em 1981, a Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica (SBPH), situação em que professores da UFPR se destacaram. Como convinha a uma prática de ciência que se concebia autossuficiente, e a escola a reboque do conhecimento acadêmico, a UFPR expunha a originalidade de uma separação ensejada pela instalação da pós-graduação e que supunha a ciência naturalmente superior a qualquer outra forma de se conhecer, sendo o conhecimento acadêmico de História sempre superior ao que a escola, e quem quer que seja, quisesse produzir.

Beatriz Sarlo (2007, p.15) analisa as histórias que tanto agradam ao público de colegiais. "É verdade que as modalidades comerciais (porque essa é sua circulação nas sociedades midiatizadas) despertam a desconfiança, a crítica e a inveja rancorosa daqueles profissionais que baseiam sua prática apenas na rotina do método. Como a dimensão simbólica das sociedades em que vivemos está organizada pelo mercado, os critérios são o êxito e o alinhamento ao senso comum dos consumidores. Nessa concorrência, a história acadêmica perde por motivos de método, mas também por suas próprias restrições formais e institucionais, que a tornam mais preocupada com as regras internas do que com a busca de legitimações externas (...) as histórias de grande circulação, em contrapartida, reconhecem na repercussão pública de mercado sua legitimidade".

Atualmente, a relação que "outras histórias" para "outros públicos" estabelecem com a sociedade vêm provocar na ciência histórica - ou deveria provocar - grande reflexão sobre si própria, que pudesse, em meio a interesses particularistas de seus praticantes, militar por um processo de produzir conhecimento que não supusesse com relação à sociedade tanto isolamento e distância.

Referências

ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. Fazer defeitos na memória: para que servem o ensino e a escrita da História? In: GONÇALVES, Márcia de Almeida et al (Orgs.). Qual o valor da História hoje? RJ: FGV Edit. 2012
BEN-DAVID, Joseph. O papel do cientista na sociedade. SP: Pioneira, USP, 1974.
BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do historiador. RJ: Jorge Zahar Edit. 2001.
HUYSSEN, Andreas. Passados presentes: mídia, política, amnésia. In: ______ . Seduzidos pela memória. RJ: Aeroplano Edit. MAM, RJ. 2000. p.9-39.

SARLO, Beatriz. Tempo passado. Cultura da Memória e guinada subjetiva. Belo Horizonte, MG, São Paulo: Ed. da UMFG, Cia das Letras, 2007.

6 comentários:

  1. Como você enxerga a nova profissão denominada de Historiador Corporativo? Você vê a possibilidade desse profissionalem atuar,por exemplo, junto a análise e contribição do marketing de uma empresa?

    Ivone Gomes

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  2. Ivone, boa noite. Obrigado pela pergunta. Eu, confesso, nunca ouvi essa profissão designada assim: "historiador corporativo". Mas entendo. Tento responder diretamente sua pergunta e depois faço considerações sobre o que considero um desdobramento dela. Se existe a possibilidade do dito "historiador corporativo" atuar? Desde que haja procura, sim, vejo que ele pode atuar. Por que não? Um dado: hoje, em encontros de profissionais da área de planejamento estratégico de empresas, há alguma unanimidade de que a memória é o segundo item do planejamento de comunicação de empresas, depois da publicidade. Há, inclusive, livros que tratam disso. Cito um: MEMÓRIA DE EMPRESA. História e Comunicação de mãos dadas, a construir o futuro das organizações. O que não facilita são os cursos de História. Se houvesse da parte do profissional uma formação mínima em planejamento estratégico, administração de empresas, para saber como se apresentar a uma organização e saber mostrar os benefícios de seu serviço, facilitaria. Penso que, se demanda de mercado, não vejo problema em atendê-la. Os cursos de História poderiam favorecer isso - assim tratando outras atividades que requerem a área, seja para ações de caráter educativo, como estratégico ou, digamos, "corporativo". Favorecer como? Formando, ou oferecendo disciplinas que, se não formassem, pelo menos indicassem o caminho de como fazer caso seja solicitado. Disciplinas aproximadas de disciplinas de áreas como “Administração”, “Comunicação”, “Informática”. Colegas quando fazem essas outras atuações, que não seja a de seguir o caminho de ser professor ou um acadêmico intelectual, fazem sozinhos, sem o endosso dos cursos. Cursos não fazem isso, e há até mesmo algum horror em se pensar nisso. Por que tanta resistência? Quando atacam esse tipo de ideia, colegas dizem que essa é nossa tradição, que isso a História não pode fazer. Que razões há para isso? Penso que haja questões de concepção de História, como disciplina que deve resguardar uma intenção de formação humanista, lastreada num princípio que, a meu ver, superestima a História: o de sua capacidade crítica que ninguém mais tem e nem faz, e aderindo a uma formação humanista que só prejudica o profissional que queira fazer (pelo menos tentar) fazer “humanismo por outros meios”. Sempre pergunto a colegas: “ótimo, o historiador tem de ser resguardado, a disciplina idem, ser resguardado de seus maus usos, de suas distorções, e o historiador tem de preservar sua identidade de preservador de uma perspectiva humanista da vida. Perfeito! Mas onde estão os historiadores para fazer isso?” Fechados em seu universo acadêmico. Profissionais que venham a ser formados com habilidades para a comunicação, as tecnologias, os museus, os centros de cultura, memórias empresariais, necessariamente vão fazer uma história desumanizada, “vendida” ou coisa que o valha? Se há mercado, por que não preparar para isso? Vivemos uma época de baixa procura por cursos de História com uma alta procura por história. Então, acho que sim, há condições, e eu gostaria de ver, nossos cursos atendendo formação para outras possibilidades de atuação, mas é difícil instituir isso. Há muita resistência. Quando se fazem enquetes para saber de historiadores sobre essas mudanças nos cursos, nunca jovens profissionais, formados, que estão saindo dos cursos são entrevistados. São sempre os consagrados historiadores, para quem mudar o desenho de cursos é mudar para lados que eles, provavelmente, não vão acompanhar. Se nossos cursos ajudassem a formar para outras atuações, será que depreciaremos o conhecimento histórico? Não é possível que dentro dos cursos haja espaço para outras formações? Uma mais pragmática, mais diretamente ligada ao mercado não-acadêmico e outra com corte mais acadêmico? Não obstante isso tudo que estou falando, acho, sim, que há possibilidade – como já há – de “historiador corporativo”, o que se os cursos apoiassem e favorecessem talvez existissem mais ainda.

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  3. Olá Bruno
    Primeiro parabéns por suas colocações. Muito pertinentes para pensarmos o ensino de história, sobretudo na atual conjuntura política e social. Nessa relação, história universitária e história escolar e tendo em vista uma “fusão” entre os dois segmentos, que às vezes são expostos como antagônicos (a história do historiador x a do pedagogo) por alguns academistas, como você pensa o papel da didática e da consciência histórica nessa aproximação, as possibilidades e barreiras?

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    1. Graande João Pedro, obrigado por sua pergunta.
      Quando você diz "academicistas" eu gostaria de ir por aí. Academicistas e intelectuais, eis o perfil de nossos cursos. A apresentação de cursos de História cai sempre no slogan de que a História forma uma "consciência crítica e participativa". Uma idealização, a meu ver. Isso coube a um tempo, que já não é mais o nosso. A história é um conhecimento absolutamente social. A certo momento, sujeitos creem poder se destacar e dizer por todos o passado deles. A relação escola universidade existe desde que a História se torna disciplina universitária e matéria escolar. Embalada pelas ideias educativas de transmissão/transposição, acreditou-se que história era algo que se passava de alguns que a sabiam para outros tantos que não sabiam. Isso durante muito tempo deu certo, dentro de uma escola que se supunha como o lugar para o que a universidade deveria repassar saberes sempre melhorados, com alunos que garantiam à escola certo padrão homogêneo de respostas às demandas de quem a integrava.
      Em se tomando a sociedade brasileira e o ensino de História envolvidos por essa análise, a certo tempo - que são os anos 70 do século XX com a adoção da pós-graduação - a universidade passa a sobrevalorizar a pesquisa e diminuir o valor do ensino, o que só aumentou o preceito de que, sendo ciência como qualquer outra, a história seria sempre melhorada, e que a escola, em vista de suas realidades - massificação e de pressão por universalização – seria sempre o lugar de reproduzi-la. Minha pesquisa, hoje, sobre a história do curso de História da UFPR é sobre um curso de História que exprime esse processo de dividir a História entre especialista e professor, pesquisador e professor. Um curso que se tornou paradigmático dessa cisão.
      Isso tudo, a meu ver, está à beira da falência, se é que já não está falido. E falido porque o acesso à escola de pessoas que não têm com a história a pretensão de formação que os alunos de outros tempos tinham, passam a colocar demandas por novas relações dentro da escola derivadas, tudo isso, do fato de serem pessoas heterogêneas. Isso embaralha tudo.
      Essa falência, a meu ver, põe, hoje, todas essas premissas abaixo. A sociedade mudou, com ela as escolas, e com as escolas e a sociedade mudaram as análises sobre o ensino de História. Já se fala, há algum tempo, de “cultura histórica escolar”, “produção de conhecimento histórico escolar”, coisas que nossos cursos, no geral, não admitem. O que soa natural, porque os alunos vão para a história nas mídias em geral, no filme, na televisão, no jornal, na revista etc. Isso sem precisar de fazer provas e exames e tirar notas.
      Então por que a universidade parece mais dessintonizada do que sintonizada com isso¿ Explicações corporativas a parte, creio que seja por que vigora ainda a ideia de que a História na escola é a História da universidade piorada, como se a escola tivesse de ser academicista e intelectual, como a universidade tem como seu fim. Mas a consequência disso tudo seria a universidade se ver perdida, porque seu papel histórico de servir a escola material de história ficaria esvaziado, e só seu papel intelectual e acadêmico estaria sobrevivendo. Essas mudanças dependeriam da revisão dos postulados idealistas que firmaram, um dia, a ideia de que a História redime e forma a consciência crítica e participativa. Sem a certeza desse paradigma, o que resta¿ A meu ver, a escola já faz isso melhor ao rever sua função e finalidade com relação ao conhecimento histórico que a universidade produz do que o contrário. Há saídas sim. Saídas que alguns textos da área de Teoria da História, mas, principalmente, textos da área de Ensino de História, tratam bem melhor. Há muitas iniciativas na escola que já deram linha dessa relação com a universidade e estão agindo no sentido de se afastar de vez. Talvez seja isso que atemorize muito a universidade, que, subliminarmente, não querem mudar essa relação toda. Não sei se respondi.

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  4. Olá, Bruno.

    Essa discussão é muito importante para se pensar as singularidades da universidade bem como da escola. Eu sou aluna de pós-graduação e vejo o quanto é distinto o aprendizado de História, em relação a graduação e o que é "reproduzido" na educação básica. Penso que estamos buscando o conhecimento em "caixas", no ensino básico o aluno precisa ter o contato com todas as disciplinas, no ensino superior se restringe em áreas mas muito extenso em que poucos universitários consegue ter uma base consistente de conhecimento já nas pós-graduação strict sensu deparamos com a pesquisa e o conhecimento. Como você o conhecimento do aluno de graduação em relação a pós-graduação?

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    1. Eloane, obrigado por sua pergunta.

      Minha pesquisa, hoje, sobre a história do curso de História da UFPR é sobre um curso de História que exprime esse processo de dividir a História entre especialista e professor, pesquisador e professor, pesquisa e ensino, graduação e pós-graduação. Um curso que se tornou paradigmático dessa cisão. Pois é Eloane, esse é outro equacionamento que deveríamos rever logo: a relação entre graduação e pós-graduação na área de História. Quando, nos anos 70, passou-se a prestigiar a pós-graduação, a pesquisa em História pontificou. Com muito dinheiro, aliás, na esteira do investimento em ciência dentro do projeto desenvolvimentista de especialização dos governos militares. O que, ainda hoje, é a marca de nossos cursos. Quando se fala em iniciativas de consagração da universidade, logo se pensa em pesquisa, segundo o princípio princeps da produção de conhecimento novo feita na pós-graduação. E para onde vai a graduação¿ A realidade é que os cursos de graduação fazem é preparar o plantel de alunos para a pós-graduação. Nisso em que as graduações se transformaram. Então eu penso: vamos fazer da graduação uma etapa terminativa dos cursos de História¿ Olha, creio que o investimento seria o de abrir os cursos para outras atuações, sintonizados com a realidade de que a procura por história é muito alta, embora a procura por cursos de História seja bem baixa. Alheio a aspectos estruturais da vida professor e condições de trabalho – fatores nunca desprezíveis, só para pensarmos a coisa aqui – deveríamos encontrar como a graduação pode ser refeita, sem que seja agrilhoada pela perspectiva do estudante de “ter de ser professor”, e pior: ser professor de ensino superior, que é o que “dá camisa”, digamos! Mas pensemos num redesenho dos cursos de graduação, revisando as finalidades da História e o slogan liberal de que a História “forma cidadãos críticos e participativos”. O que ficaria para a pós-graduação¿ Reside aí, a meu ver, Eloane, um dos grandes entraves às transformações, o grande estimulante subliminar da academia em não querer que isso se transforme. Nosso modelo de universidade de História não forma professores para a escola e nem profissionais para atuar em tanta coisa que poderiam favorecer os profissionais a atuarem fora da docência. Mas a quem interessaria modificar isso¿ Que interesses seriam afrontados¿ A meu ver, a reformulação da relação graduação e pós-graduação está na raiz da relação que se firmou como natural entre pesquisa e ensino, incrementado por políticas públicas datadas para o ensino superior brasileiro, e erradicadas na crença positivista de que, como nas ciências naturais, sujeitos que passarem por certas práticas de formação serão necessariamente melhorados, da mesma maneira que aconteceria a uma planta para crescer se você pudesse controlar a quantidade de chuva, de adubo, de insolação e de manejo a dispender e dedicar a ela. É uma questão gigante Eloane. Os mais altos representantes de nossa área não têm interesses em rever isso. E, pior, nem o ministério.

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