HISTÓRIA DA AMÉRICA LATINA: UM TEMA DA BURNING HISTORY BRASILEIRA
Maria
Auxiliadora Schmidt
Introdução
Na perspectiva do
pensamento de Jörn Rüsen, a aprendizagem histórica e sua relação com a formação
da consciência histórica é o núcleo central da didática da História, pois esta
é a ciência da aprendizagem histórica e seu fundamento é a teoria da História
(RÜSEN, 2014). Ainda na perspectiva
desse autor, o papel da teoria da história na aprendizagem histórica precisa
levar em conta alguns aspectos além da função de fundamentação da teoria da
História, tais como os fatores da aprendizagem histórica, o lugar da
experiência e da orientação na aprendizagem, a análise do lugar da narrativa na
aprendizagem histórica, considerando que essa é a principal competência do
aprendizado histórico. Da mesma forma, ele enfatiza a necessidade de se
conhecer o significado prático do pensamento histórico para a constituição de
sentidos e significados na constituição da identidade humana.
Essas preocupações de
Rüsen sugerem problemáticas que dizem respeito às relações entre a cultura
histórica e a cultura escolar, produzindo desafios de investigações como, por
exemplo, como a difusão de determinadas fontes iconográficas, representativas
do passado de uma sociedade, são veiculadas por artefatos da cultura escolar,
como os manuais didáticos e, ao serem apropriados pelos jovens alunos, produzem
significados que acabam por serem normatizados como orientações temporais pelos
jovens, a partir de determinados conceitos substantivos da História. Esse foi o
recorte adotado nesse trabalho que constitui parte de pesquisa mais ampla sobre
a aprendizagem histórica, financiado pelo Cnpq e que, em investigações
realizadas de 2011 a 2013, tomou o
conceito substantivo América Latina, sua abordagem por manuais didáticos, bem
como o significado a ele atribuído por
jovens alunos de escolas públicas, como uma das principais finalidades
de pesquisa.
Em
sua investigação “Narrativas históricas sobre a América Latina: o que se ensina
e o que se aprende numa escola brasileira”, Schmidt e Tauscheck (2011) buscaram
compreender como se organizou o ensino da América no Brasil, partindo da
analise de diferentes manuais, buscando entender as formas que foram
“inventadas” para se ensinar História da América Latina, em consonância com
reformas curriculares, em diferentes momentos e políticas educacionais
brasileiras.
A
perspectiva de investigação desse trabalho foi a pesquisa qualitativa. Na primeira fase da investigação, adotou-se a
pesquisa documental, consubstanciada na análise de conteúdo de tipo temática, dos principais
manuais didáticos de História da América publicados no Brasil, no
período de 1932 a 1991, no contexto das respectivas reformas curriculares. O
quadro apresenta os resultados da primeira fase da pesquisa:
Quadro 1 – Relação entre propostas curriculares e a
presença da História da América em Manuais Didáticos
Contexto:
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Manuais:
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Lei Francisco Campos,1931. Currículo Único.
Eurocentrismo. História da América como parte da História da
Civilização(européia)
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HISTÓRIA DA AMÉRICA (1932).
RUCH, Gastão. Rio de Janeiro: F. Briguet.
Professor do Instituto de Educação e do Colégio de
Pedro II. (RJ)
Manual destinado a alunos do curso normal.
|
Lei Gustavo Capanema, 1942
Panamericanismo. História da América como disciplina
autônoma. (Portaria
966,1951)
|
HISTÓRIA DA AMÉRICA (1952)
SILVA, Joaquim. São Paulo: Companhia Editora
Nacional.
Professor dos cursos ginasial e colegial.
Autor de manuais didáticos de História do Brasil e
Geral.
x-x-x-x-
HISTÓRIA DA AMÉRICA (1954)
TAPAJÓS, Vicente. Rio de Janeiro: Forense
Universitária.
Manual destinado a professores e alunos do curso
colegial e do curso de História.
|
Período da Ditadura (1964-1984)
História da América
excluída dos currículos. Lei 5692/71 (Estudos Sociais de 1ª. A 8ª. Série do
1º. Grau – História somente no 2º. Grau, com carga horária reduzida.
|
HISTÓRIA DA AMÉRICA (1979)
KOSHIBA, Luiz / FRAYZE PEREIRA, Denise Manzi. São
Paulo: Atual.
Professores do ensino fundamental e médio.
Manual destinado a alunos do 2º. Grau. Autores
propõem uma “visão crítica” sobre a História da América.
x-x-x-x-x-
HISTORIA DAS SOCIEDADES AMERICANAS (1981)
AQUINO, Rubim Santos Leão de / LEMOS, Nivaldo Jesus
Freitas de / LOPES, Oscar Guilherme Pahl Campos.
Rio de Janeiro: Livraria Eu e Você Editora.
Professores da escola fundamental e media.
Autores indicam abordagem a partir dos “modos de
produção”, vertente marxista.
-x-x-x-x-
HISTORIA DA AMERICA (1983)
NADAI, Elza / NEVES, Joana. São Paulo: Saraiva.
Professoras universitárias, USP e UFPA.
|
Parâmetros Curriculares Nacionais (1998)
Temas da História da América Latina inseridos como
conteúdos articulado e/ou integrados à História do Brasil e Geral.
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Manual aprovado pelo PNLD –(programa nacional do
livro didático) . História Sociedade e Cidadania – Alfredo Boulos Junior –
7º. Ano.
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Fonte: Schmidt e Tauscheck (2011)
A partir da constatação
de que os conteúdos relativos à História da América haviam sido integrados ou
intercalados a outros conteúdos, sendo distribuídos de forma cronológica do 6º.
ao 9º.ano do Ensino Fundamental, houve a
preocupação em buscar conhecer como um conceito, como América Latina, estava
presente no pensamento histórico dos alunos que já tinham cursado esses anos. Nesse momento, selecionou-se, aleatoriamente,
uma escola pública de ensino fundamental, entre as que haviam escolhido o
manual História Sociedade e Cidadania, de Alfredo Boulos Junior, para realização
de um estudo exploratório. Assim, foi aplicado um questionário em 17 jovens
alunos, constituído das seguintes questões: “Quais
são as primeiras palavras que lhe vem a cabeça quando você pensa na História da
América?” e “Escreva uma pequena narrativa sobre o que você espera ver nas aulas sobre a
história da América Latina, que terá na escola”. Na primeira coluna é apresentada a categorização das ideias dos
alunos e, na segunda coluna, o número de vezes que determinada ideia foi utilizada pelos alunos.
Quadro 2 – Categorização das ideias dos alunos sobre
História da América
Idéias
sobre relação com o conceito de America Latina:
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(2) Língua ou língua diferente; (2) língua latina;
(2) musica ou musica latina; (4) latinos e (5) culturas diferentes.
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Idéias sobre a relação
temporal
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(2) Colonização; (2) novo mundo; (2) pré-colombiano.
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Idéias
provavelmente ligados a colonização:
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(2) conquista; (2) fonte de riquezas; (1) perdas e
(4) guerra
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Idéias geográficas e de localização:
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(1) mapas; (1) continente; (1) sul e (6) sul da
América ou América do sul.
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Idéias
que tem relação com os estados nacionais:
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(3) países; (5) Brasil; (1) gente do Brasil; (2)
México; (1) argentino
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Diversos:
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(4)
Latim; (2) futebol; (1) desenvolvimento; (1) política.
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Fonte: Schmidt e Tauscheck (2011)
Ao serem perguntados
sobre o que esperavam aprender os alunos responderam:
Temporalidade
nas narrativas ou com ideias históricas: Exemplos:
Aluno 2 “... desenvolvimento dos países no decorres
dos anos e etc”;
Aluno 5 “
...evolução dos tempos, colonização
diferentes...”;
Aluno 9 “… países latinos sendo colonizados e depois
independência guerras entre eles, países pobres”.
Apenas gostam
do tema e têm curiosidades: Exemplos:
Aluno12 “…espero
aprender o que eu não sei da América latina, eu me interesso pelo assunto.”;
Aluno 14 “…me interesso pelo assunto aprender coisas
novas e o mais legal é aprender novas línguas como inglês, então imagina o
latim”.
Demonstram
algum conhecimento de termos de análise social e de diversidade cultural: Exemplos:
Aluno 2 “…Eu acho que vamos aprender sobre diferentes povos e culturas, modos de
viver, guerras, classes sociais, diferentes economias...”;
Aluno 3 “… eu espero ver um pouco da cultura do povo
que vive na América Latina, sua língua e seus hábitos como vivem a sua
diferença social, sobre a fauna e flora desse lugares e as grandes cidades
desses lugares e seus pontos turísticos mais famosos.”;
Aluno 4 “…seus costumes, modos e estilos. Sobre o
desenvolvimento e crescimento, culturas, comercio e classes sociais sobre toda
a história, guerras e etc.”;
Aluno 5 “… pessoas diferentes, culturas diferentes
evolução dos tempos, colonização diferentes,lugares diferentes e muito mais”;
Aluno 11 “…sobre a cultura latina. As línguas faladas”.
Entre as conclusões
apreendidas a partir dos resultados dessa investigação percebeu-se que, tanto
as narrativas dos alunos, quanto a dos manuais didáticos, apresentam uma
narrativa fragmentada da história da América, não favorecendo os debates
específicos do ensino da História da América e nem o desenvolvimento de uma
consciência histórica mais elaborada ou uma relação mais complexa entre o
presente e o passado.
Dando continuidade a pesquisas
sobre a relação entre os conteúdos de História da América e manuais escolares, Schmidt
e Tauscheck (2011) focaram sua investigação no que o historiador espanhol
Rafael Valls chama de “componentes paratextuais” dos manuais escolares, entre
os quais estão as imagens constitutivas do texto didático. Segundo o autor,
particularmente os manuais escolares têm apresentado uma forte presença da
documentação iconográfica, o que coloca o desafio de investigações que tomem
como objeto determinadas questões, tais como a identificação, catalogação e
categorização das imagens, sua contextualização, seu tratamento para leitura e
análise por parte dos alunos e, como afirma o autor
Distintos estudios han mostrado la escasa
atención, incluso nula consideración, que los alumnos otorgan a las imágenes
presentes en los manuales. A los alumnos no se les ha enseñado a aprender de
las imágenes y no las consideran fuentes serias de información. En algunas de
estas investigaciones empíricas se ha llegado a establecer que un grupo
importante de los alumnos no habían mirado ni siquiera las imágenes y que un
25% lo había hecho exclusivamente como distracción respecto de la lectura.
También se comprobó que la gran mayoría de los alumnos no contemplaba tales
imágenes con un mínimo de atención si no se les impulsaba explícitamente a
hacerlo, especialmente a través de indicaciones escritas. (VALLS, 2010, p.6).
Após a categorização das
imagens pode-se perceber que, em sua maioria, as iconografias foram utilizadas
como ilustração, reforçando imagens
canônicas e muitas vezes estereotipadas de determinados conteúdos da História
da América, como a história dos povos
pré-colombianos, ou seja, essas imagens não são problematizadas como evidencias
históricas, na tentativa de construção de uma relação mais complexa com o passado. À
guisa de exemplo, cita-se o libro História da América (Elza Nadai e Joana Neves,1991)
em que as autoras se utilizam de imagens de utensílios incas e objetos
religiosos, mas sem problematizá-los ficando mais como ilustração da narrativa
didática.
Nesse mesmo sentido, pode-se
citar a obra Curso de História da América (Heródoto Barbeiro, 1984), pois o
livro trabalha com boas imagens sobre o contexto “pré-colonial”, entre essas
imagens estão ruínas de templos, documentos de época sobre cultura e arte.
Porém, elas não são problematizadas e ficam como exemplos de ilustrações
iconográficas do texto escrito. Sobre as legendas das imagens, elas não
explicitam de onde foram retiradas, ou seja, não são colocadas na categoria de
fonte ou documento histórico.
Imagens e aprendizagem histórica
Durante
a investigação observou-se a presença sistemática de uma imagem do espanhol Theodory de Bry – A
chegada de Cristovão Colombo a América (sec. XVI) – em 4 dos manuais analisados, História da América
(1932), História da América (1979),
História das Sociedades Americanas (1981) e História da América (1983).
Essa recorrência indicou possibilidades para uma indagação qualitativa (EISNER,
1998) acerca das relações que jovens alunos atribuem a certo tipo de imagem
que, na perspectiva de Saliba (1999), torna-se canônica. Para esse autor, as
imagens canônicas
…são impostas coercitivamente, daí serem chamadas
imagens coercitivas. Ícones canónicos seriam aquelas imagens-padrão ligadas a
conceitos-chaves de nossa vida social e intelectual. Tais imagens constituem
pontos de referencia inconscientes, sendo, portanto, decisivas em seus efeitos
subliminares de identificação coletiva. São imagens de tal forma incorporadas
em nosso imaginário coletivo, que as identificamos rapidamente. (SALIBA, 1999:437)
Com
esse indicativo, buscou-se ampliar a investigação, no sentido de se verificar
em que medida e, de que forma, determinadas imagens canônicas sobre um tema da
História da América podem ser viabilizadoras de sentidos e significados para
jovens alunos do último ano da escola fundamental, considerando que eles já
passaram por toda a primeira fase da escolarização obrigatória e, de alguma
maneira, já tiveram contato com este conceito substantivo da História.
Em
suas investigações Carretero&Jacott e López-Manjón (2004), assim como
Carretero e González (2004) buscaram compreender que tipo de relações jovens de
países da América espanhola e também da própria Espanha, estabeleciam com essas
relações. Na primeira pesquisa, “La
enseñanza de la historia mediante los libros texto: ¿se les enseña la misma
historia a los alumnos mexicanos que a los españoles?, os três autores analisam
de que forma 4 manuais espanhóis e cinco mexicanos, publicados em 1994, tratam
o tema “Descobrimento da América”, tendo
como aporte metodológico a análise de conteúdo. Nesse estudo, eles
identificaram a presença da gravura de Theodore de Bry como parte da narrativa
histórica didática de um libro mexicano e um livro espanhol, com epígrafes que revelam enfoques históricos distintos,
mas com o mesmo objetivo de descrever a chegada
de Colombo à América. Na segunda
pesquisa, “Imagens históricas y construcción de la identidad nacional:
una comparación entre la Argentina, Chile y España”, Carretero e González, a
partir de uma investigação empírica, utilizando entrevistas semi-estruturadas,
procuraram entender essa mesma relação em 80
sujeitos, entre jovens e adultos, chilenos, argentinos e espanhóis, respectivamente, procurando
responder três ordens de questões: Como os sujeitos interpretam as imagens,
segundo sua idade e procedência cultural? Como tematizam e valorizam a imagem?
Que descrições afetivas e identitárias a imagem produz? A partir dos
referenciais e das questões propostas, eles, num primeiro momento,
categorizaram os resultados a partir de níveis de atribuições realizadas pelos
sujeitos, quais sejam: 1. Leitura realista e ingênua.2. Leitura realista. 3.
Leitura contextualizada, concluindo que houve diferenças significativas entre
os sujeitos das diferentes procedências e que, conforme aumenta a idade, as
leituras realistas e contextualizadas são mais presentes. No segundo momento, o
da categorização segundo as descrições e atribuições de valores, eles não
encontraram relações entre idade e as respostas dos sujeitos, mas essas variavam
conforme o país de origem, sendo categorizadas em três tipos: violenta,
pacífica ou mista, sendo que a última foi predominante. No terceiro momento,
referente a relação afetiva e de identificação, nos três países a opção foi
pelos indígenas e não pelo colonizador espanhol.
Essas
investigações foram tomadas como referencia dado à presença da mesma imagem
encontrada nos manuais brasileiros, levando-se em conta, entretanto, o fato de
que as finalidades não seriam as mesmas. Assim, a ênfase foi na problemática de
se buscar entender que significados jovens alunos poderiam atribuir a uma
determinada imagem canônica, presente em manuais escolares utilizados no
Brasil, com a preocupação de compreender como esses jovens se relacionam com o
passado da América e, portanto, qual o significado para a formação da sua
consciência histórica.
A relação com
as imagens e significância histórica
Os estudos sobre significância histórica vêm constituindo
um importante objeto de análise para investigadores interessados em compreender
a formação da consciência histórica dos alunos. Muitos desses estudos partem da
preocupação em se entender a formação da consciência histórica de crianças,
jovens e adultos e se constituíram na esteira dos trabalhos realizados, principalmente,
pelo historiador canadense Peter Seixas. Entre as investigações desse autor,
destacam-se duas pesquisas que podem ser consideradas fundadoras desses
estudos. Em uma delas, tomada como principal referência para esse trabalho “Students
Understanding of Historical Significance”, publicado em 1994, Peter Seixas aponta
alguns critérios para se definir o conceito de “significância histórica”, a
partir das definições atribuídas pelos historiadores. Assim, “significância
histórica” seria definida por três critérios: - se o fenômeno afetou um grande
número de pessoas por um longo período de tempo; - pela relação de um fenômeno
com outros fenômenos históricos; - pela relação do fenômeno com a vida prática
do presente. A partir desses pressupostos, o autor levantou algumas questões de
investigação sobre o pensamento histórico dos alunos, entre elas: - o que torna
um fenômeno significativo para um sujeito? – como eles atribuem significados
aos fenômenos do passado? – eles estabelecem relações com a sua própria vida? Em outra pesquisa, “Mapping the Terrain of
Historical Significance”, (1997), Peter Seixas buscou relacionar a atribuição
de significados que os sujeitos fazem em relação aos fenômenos do passado, com
as suas interpretações, valores e ideais, baseando-se no pressuposto de que
isso pode variar conforme diferentes determinações, não somente as da cultura
escolar. É importante ressaltar que, em suas pesquisas, Peter Seixas não se
preocupou em apresentar níveis de desenvolvimento do pensamento dos alunos, mas
categorizar os resultados de suas investigações a partir de tipologias na forma
como os sujeitos constroem significância na História.
Dando continuidade às pesquisas desenvolvidas sobre a
presença do conteúdo História da América nos manuais, optou-se pela análise da
relação dos jovens alunos com determinada imagem canônicas presente nos
manuais, a mesma gravura encontrada pelos pesquisadores espanhóis, e a apreensão
dos significados por eles atribuídos a essa imagem. Assim, foi realizada uma
investigação de cunho qualitativo em 26 jovens de um grupo do último ano da
escolarização obrigatória, em uma escola pública de um bairro afastado do
centro, na cidade de Curitiba, estado do Paraná, Brasil. A amostra é caracterizada pela predominância de 18 jovens com a idade de
17 anos; 3 jovens com 16 anos; 3 com 18 anos, um jovem com 19 e um com 21 anos,
sendo 15 do sexo masculino e 11 do sexo feminino. O instrumento de investigação constou de uma
atividade para ser realizada em aula, com a presença do professor de história
da turma. Essa atividade apresentava a gravura de Theodore de Bry, com a
seguinte legenda: “Encontro de Cristovão
Colombo com populações que viviam na América.” Gravura feita por Theodory de
Bry, séc.XVI.
Como orientação para os alunos foram apresentadas três
questões. A primeira delas – Descreva a imagem – tinha o objetivo de verificar
que relações os jovens alunos estabeleciam com o passado registrado na imagem,
seja descrevendo os personagens e as ações nela representadas, seja levantando
hipóteses sobres as intenções presentes nessas ações. Na segunda questão –
Escreva o que a imagem representa para você – a finalidade foi verificar se os
jovens alunos articulavam o passado com o seu presente e sua vida prática, e de
que forma o faziam. Finalmente, a terceira questão – Relacione o que você
escreveu sobre a imagem, com a história dos povos da América, tinha o objetivo
de verificar se os jovens alunos relacionavam os acontecimentos representados
na imagem com outros acontecimentos da história dos povos americanos, numa
perspectiva temporal.
A análise e categorização das respostas permitiu a
constituição de três tipos de significância
histórica, a partir dos estudos realizados por Canetti (1995) - Significância
simbólica; Lee (2003) - Significância empática e Fronza (2013) - Significância
intersubjetiva. Levou-se em conta também aspectos teóricos pertinentes ao campo
da análise das imagens e de estudos já realizados sobre o pensamento histórico
de jovens e crianças.
Significância simbólica: Estudos realizados por Canetti (1995) apontam possibilidades
de se interpretar símbolos que, representados em discursos e imagens, agregam significados
a determinados conceitos. Ao analisar a
relação entre “massa e poder”, esse autor apresenta a ideia dos “símbolos de
massa” – não constituídos de seres humanos, mas de unidades como o trigo e a
floresta, a chuva, o vento, a areia, o mar e o fogo. Ademais, existem o que ele
chama de “cristais de massa”, ou seja, “os cristais de massa apresentam-se sob
a forma de um grupo de pessoas que chama a atenção por sua coesão e unidade.
Eles são concebidos e vivenciados como
unidade, mas compõem-se sempre de pessoas
efetivamente atuantes – soldados, monges (…) (CANETTI, 1995, p.74). Ao
lerem a imagem apresentada, a maioria dos jovens incluiu em suas respostas
determinadas unidades simbólicas, sejam pessoas ou não, tais como: cruz,
armas e tropa. Em todas as
respostas, a cruz foi interpretada como a presença e imposição da religião católica, diretamente ou não
(…) a imagem
mostra Cristovão Colombo chegando na América, implantando sua cultura,
aparentemente, pela cruz que eles colocam no litoral. (Nicolas, 17)
(…) seria a
colonização dos europeus na América representado numa imagen. Europeus impondo
a religião e a sua cultura sobre os índios. (Isabela, 17)
(…) a cruz, na
imagen, demonstra religiosidade, como se estivessem trazendo “cultura” ao povo.
(Rafael, 19)
(…) há também o
início da catequização dos “povos inferiores”. A cruz =
catequização.(Rafaela, 16)
As armas e os soldados, designados pelos alunos como
“a tropa”, foram interpretados como a imposição da força, a dominação:
(…) o povo está
em conflito e em defesa, tendo que servir aos soldados (Marjorie,17)
(…) parece que
eles estão em guerra, representa a imagen que eles estão em conflito.(Ana Claudia, 21)
(…) queriam
transformar os índios em sua tropa, junto com os outros. (Thalita, 17)
(…) A imagem
remete à colonização da América. Cristovão Colombo e “sua tropa”, impondo seu
modo de pensar aos nativos de forma simples e eficiente. (Kaway, 17).
2. Significância empática – Investigações
acerca das ideias históricas dos sujeitos têm abrangido a análise do que Lee (2003)
chama de conceitos de segunda ordem, entre os quais está a empatia histórica.
Segundo esse autor, a empatia histórica pode ser entendida como “algo que
acontece quando sabemos o que o agente histórico pensou, quais os seus
objetivos, como entenderam aquela situação e se conectamos tudo isso com o que
aqueles agentes fizeram” (Lee, 2003: p.20). Ademais, afirma Lee, “nossa
compreensão histórica vem da forma como sabemos como é que as pessoas viram as
coisas, sabendo o que tentaram fazer, sabendo que sentiram os sentimentos
apropriados àquela situação, sem nós próprios as sentirmos” (p.21). Várias
respostas dos jovens alunos remeteram a uma aprendizagem a partir de uma empatia como realização do pensamento e também como uma disposição para olhar e compreender as pessoas do passado,
representadas na imagem:
(…) Cristovão
chega na América e os Índios estão com receio ao realizar a troca…(Pablo,17)
(…) Na terra de
Cristovão Colombo a nudez era extremamente imprópria. Chegando na América e
encontrando um povo todo nú, ele fica abismado mas ao mesmo tempo admirado (Vitor, 16)
(…) Os
habitantes da América parecem um pouco assustados ao verem Colombo e sua tropa (Cesar, 17)
(…) A imagem
mostra a chegada de Cristovão Colombo na América, uma chegada um tanto
asustadora por parte das pessoas que já estavam lá….(Juliano, 18)
(…) os nativos
ficaram impressionados com as coisas dos descobridores e os receberam, foram
explorados …(Claitson, 17)
3. Significância intersubjetiva – O conceito de
intersubjetividade foi utilizado por Fronza (2012) para analisar de que forma
ocorre o autoconhecimento histórico de jovens alunos, quando em contato com
evidências históricas em histórias em quadrinhos. No quadro de referência da
teoria da consciencia histórica, Fronza assume que a intersubjetividade é um
processo instituidor da consciência histórica a partir das operações mentais da
narrativa histórica e acontece quando “ao internalizar, por meio da empatia, a
alteridade das experiências do passado antes desconhecidas, os jovens situam a
si mesmos na salutar multiplicidade dos modos de ser, sentir e viver dos homens
em muitos tempos e lugares” (Fronza, 2012: p.63). A partir dos dados coletados
e, na direção apontada, a categoria intersubjetividade foi utilizada para
explicitar maneiras que os jovens utilizaram para significar o passado, a
partir da relação com seus próprios valores, ideias, vida prática, em confronto
com o fenômeno histórico apresentado na imagem:
(…) a imagen é
uma importante história do descobrimento do país e do continente onde vivo (Vitor, 16)
(…) representa o
início do povo da América, a chegada dos colonizadores, foi um marco pois houve
uma troca de informações, ambos sairam ganhando ( Juliano, 18)
(…) os da
direita estão defendendo suas terras, e os da esquerda estão invandindo e
dominando, mostra a guerra (Luiz
Felipe, 17)
(…) representa
a má colonização da América, a destruição da cultura dos povos americanos, além
do início da degradação das florestas e riquezas naturais do continente
americano (Roberto, 16)
(…) Para mim, a
imagen representa o começo da colonização, os costumes, a cultura de outros
povos, interferindo na cultura da América, acabando com nossas riquezas, para
uso deles (europeus).(Amanda, 17)
(…) Representa
a mudança na população local, influencias que até hoje podem ser percebidas.
Esse capitulo da monopolização dos povos mudou o rumo da história. (Kaway,17).
Torna-se importante destacar que, ao serem expostos a
uma “imagem canônica”, isto é, que vem sendo utilizada sistematicamente nos
manuais escolares para ilustrar as narrativas produzidas pelos autores desses
manuais, os jovens alunos criaram suas próprias maneiras de dar significado ao
passado ali representado, como pode ser observado em suas respostas.
Demonstrando formas de autoconhecimento originais, os jovens deram pistas sobre
como se formula e se desenvolve a sua aprendizagem histórica.
Considerações
finais
Observou-se que as potencialidades das imagens,
consideradas como paratextos, podem ser muito grandes, no sentido aquí exposto,
qual seja o de trabalhar a significância histórica para aprendizagem dos jovens
alunos. A concretização dessas potencialidades requer, entretanto, formas mais inovadoras
para o trabalho com as imagens nos manuais escolares, particularmente
tratando-as como fontes e evidências do passado, mobilizadoras de estratégias
cognitivas do pensamento propriamente histórico e, portanto, possibilitadoras do desenvolvimento da consciência
histórica dos sujeitos aprendizes.
As pesquisas realizadas com uma fonte iconográfica
relacionada ao conceito substantivo História da América Latina, bem como a investigação
exploratória especificamente pautada na forma como os jovens alunos se
apropriam dessa fonte, sugerem também possibilidades
de expansão desse tipo de investigação para outros conteúdos, no sentido de
apreensões mais detalhadas da significância histórica que jovens alunos
atribuem a determinados fenômenos do passado, seja por meio da investigação em
paratextos ou no próprio texto de manuais escolares. Tais investigações podem
trazer contribuições para se adentrar e sistematizar principios da aprendizagem
histórica e, portanto, do seu ensino, a partir da própria teoria da História.
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Seria possível uma reformulação dos manuais didáticos com o intuito de serem meios que auxiliassem no processo ensino aprendizagem? No seu entender, as fontes iconográficas teriam que ter uma metodologia específica para o estudo da História da América?
ResponderExcluirEm que grau a fronteira geográfica andina e a diferença entre os idiomas espanhol e português dificultam a relação de pertencimento de alunos com a América Latina, em especial a Sudamérica? (Goulart Gomes, História, UFBa).
ResponderExcluirBom dia!
ResponderExcluirAlém da reprodução de imagens/cânones nos livros didáticos com fins meramente ilustrativos, é comum verificar a transcrição de trechos de fontes escritas, como tratados e cartas. Gostaria de saber se a citada pesquisa também verificou o tratamento dado a esse tipo de fonte pelos autores de manuais escolares de História e como esses documentos foram recepcionados pelos alunos. Caso a pesquisa não tenha se inclinado para essa vertente, gostaria de saber a opinião da professora sobre a relevância (ou não) de utilizar essas fontes no ensino de História na educação básica.
Grato pela explanação!
Fernando Santana de Oliveira Santos
Olá! A História da América, mesmo veiculada com imagens tradicionais presentes em manuais didáticos,dependendo do aporte do docente pode, a meu ver, facilitar ou não a empatia e a significância histórica por parte dos alunos. Como a Professora vê, nos dias de hoje, a valorização da História da América na formação de Professores de História?
ResponderExcluirOlá! A História da América, mesmo veiculada com imagens tradicionais presentes em manuais didáticos,dependendo do aporte do docente pode, a meu ver, facilitar ou não a empatia e a significância histórica por parte dos alunos. Como a Professora vê, nos dias de hoje, a valorização da História da América na formação de Professores de História?
ResponderExcluirObrigado.
Gerson Luiz Buczenko
Olá Maria Auxiliadora,
ResponderExcluirLevando em consideração que boa parte dessas imagens advém de artistas europeus (exceto em fotos de artefatos arqueológicos). Não seria apropriado trabalhar com alunos uma desconstrução da visão eurocêntrica acerca da América Latina refletida nas produções artísticas?
Ailton Ribeiro Nascimento
Após a leitura do trabalho, fica-se com a impressão de que as imagens, mesmo que as consideradas canônicas, não são por vezes compreendidas no espaço escolar, salvo as exceções de idade e contexto cultural. Na educação básica brasileira, as aulas destinadas a História da América são bem reduzidas, se comparadas a todo o destaque dado a temas eurocêntricos. Quais tipos de imagens poderiam suscitar em nossos estudantes esses tipos de questionamentos? Seria as obras de Debret boas opções para isso?
ResponderExcluirAtenciosamente,
Aline Aparecida Pereira Zacheu
A abordagem do tema América Latina precisaria realmente mudar nos livros didáticos, já que não retratam pela perspectiva do continente e sim numa visão eurocêntrica. Como mudar?Como abordar o tema como uma "história vista a partir de baixo"?
ResponderExcluirDaniela Rodrigues Françoso
Bom dia Profa.Ma.Auxiliadora!
ResponderExcluir-Quando se viaja pela América Latina nota-se em países como Bolivia e Colômbia que o Brasil é visto como imperialista.Isso não seria um dificultador das nossas relações ,inclusive acadêmicas,com nossos vizinhos?
-Penso que deveríamos aprofundar muito mais em nossos curriculos o assunto América Latina e inclusive para a História de toda a América ,central e do Norte,não lhe parece?
Desde já ,Grato,
Alfredo Coleraus Sommer
Sobre a América latina, é importante trabalhar os governos ditatoriais e a sua falência.
ResponderExcluirNa sua experiência, como eu poderia desenvolver uma atividade sobre estes governo?
Bruno Roque Younes
Boa noite, professora Maria Schmidt.
ResponderExcluirUm dos pontos que muito me chamou a atenção é a relação estabelecida entre o conhecimento portado e o que se vai transmitir. Ou seja, através dos estudos e pesquisas adquire-se muito mais saberes do que os anos escolares permitem transmitir. Sendo assim, qual a sua visão e/ou ideia para que haja uma proximidade maior de um ponto de equilíbrio que oferte aos alunos saberes não deficitários?
Bom dia, excelente texto, nos faz pensar sobre a necessidade de implementarmos nas aulas de história, mais conteúdos sobre a América Latina, afinal, são países próximos e que compartilham diversas características. Deveríamos descentralizar mais os conteúdos de História do ensino fundamental e médio, pois temos um conteúdo totalmente eurocêntrico. Gostaria de saber se é mais apropriado ao levarmos uma imagem para a sala de aula, provocar o aluno, no sentido do mesmo tentar interpretar a imagem, ou simplesmente explicar a contextualizar esta imagem?
ResponderExcluirErivaldo da Silva Pereira
Bom dia. Acredito que discutir em sala questões relacionadas à América Latina poderia despertar ainda mais o interesse do estudante, uma vez que são assuntos mais próximos deles.No entanto, o professor tendo como principal instrumento na sala de aula o livro didático, que traz superficialmente essa temática, acaba por dificultar essa tarefa. Como os professores podem se aprofundar nesse assunto e como utilizar as imagens para além do livro didático?
ResponderExcluirGrata, Adrielle dos Santos Silva
De que maneira o professor pode utilizar obras de arte para ensinar sobre a História da América Latina? Existem autores que você possa recomendar? - João Gilberto Solano
ResponderExcluirAmérica haviam sido integrados ou intercalados a outros conteúdos, sendo distribuídos de forma cronológica do 6º. ao 9º.ano do Ensino Fundamental,por que houve preocupação em buscar conhecer como um conceito,presente no pensamento histórico dos alunos que já tinham cursado?
ResponderExcluirSidinei Sganzerla
ResponderExcluirA história da América ou qualquer outro estudo pode ter embasamento em textos, livros, fontes iconográficas,ente outras, mas é importante que o professor seja um mediador dos saberes historicamente apresentados,ou mesmo um ser que apresenta novos significados para os conhecimentos pré-existentes.Assim,o professor deve ser provocador para gerar um desconforto em face ao conhecimento.
Sidinei Sganzerla
Como poderíamos apresentar uma narrativa menos fragmentada em relação a história da América e menos esteriotipada que favorecesse o desenvolvimento de uma consciência histórica
ResponderExcluirmais elaborada e complexa na relação presente e passado?
Boa noite!
ResponderExcluirCreio que seria necessário uma reformulação no ensino de história, em detaque as civilizações indígenas. É importante também abordar a história de cada país latino.
Att Rejanne Estofel
Saudações Prezada Prof.ª PhD. Maria Auxiliadora Schmidt!
ResponderExcluirPrimeiramente quero lhe parabenizar pela pesquisa a qual gerou este texto provocador e reflexivo sobre o Ensino da História da América em sala de aula.
Bem professora, lendo seu texto tive muitas inquietudes e ao mesmo tempo reflexões quanto a cotidianidade da não historicização da temática América em sala de aula de forma minuciosa relacionando-a a formação sócio-histórica do Brasil.
Nesse sentido, lhe pergunto: "Em suas pesquisas e até mesmo durante a tessitura do texto ficou perceptível a dificuldade dos alunos em não conseguirem se auto identificar como pertencentes a História da América?
Essa relação de não pertencimento de alunos com a América Latina está intimamente ligada com a negação histórica do Brasil em apregoar sua identidade dissociada da emancipação e História da América Latina (passando o Brasil a ser visto como uma nação-irmã Imperialista no continente sulamericano)?
Grato desde já,
Vamos dialogando Professora.
Cordialmente, Prof. MsC. Wilverson Rodrigo S. de Melo.