NOVAS PERSPECTIVAS PARA O ENSINO DE
HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS E DAS RELAÇÕES INTERAMERICANAS
Alexandre Guilherme da Cruz Alves Junior
Em livro didático
utilizado em muitas escolas brasileiras públicas e privadas, no capítulo
referente à independência dos Estados Unidos, encontramos um quadro explicativo
da razão pela qual os norte-americanos se autodenominam "americans".
Para Mario Schmidt (2002, p.70), "o que ocorre é que aquele país é tão
poderoso que dá a impressão de ser o dono de todo o continente".
Na verdade, essa
vertente interpretativa baseia em parte de uma corrente teórica bastante
difundida nos anos 1960 e 1970, que percebia a história latino-americana
submetida aos interesses e vontades do colosso do Norte.
Com afirma Moura
(1980, p.43), "as interpretações de natureza mecanicista e economicista
estão bem exemplificadas na literatura política que atribui, por exemplo, todo
e qualquer acontecimento importante na América Latina à ação do 'imperialismo
americano'".
Essa "vitimização"
da América Latina influenciou gerações de estudiosos engajados em demonstrar
que os interesses econômicos e políticos norte-americanos haviam soterrado o
desenvolvimento social e econômico no subcontinente.
Para Gilbert Joseph
(1998, p.5), a Teoria da Dependência orientou diversas análises sobre as
relações entre América Latina e Estados Unidos, onde "'a subordinação
estrutural da América Latina como uma periferia dentro do sistema capitalista
mundial foi responsável pelo o desenvolvimento do subdesenvolvimento',
entendido principalmente em termos econômicos"
Neste sentido, os
diferentes atores responsáveis pelas relações interamericanas - governos,
elites políticas, etc - eram interpretados muitas vezes de forma monolítica, e,
aparentemente, sem contradições significativas, uma vez que a lógica econômica
e estrutural subordinava todos os demais aspectos dessas relações.
Para Perez Jr. (1992),
o paradigma da dependência elaborou a visão de uma América Latina passiva,
subordinada aos interesses econômicos e militares norte-americanos. Vítimas dos
interesses dos Estados Unidos, e também da traição de parte de suas elites, os
países da América Latina pareciam ter pouco controle sobre suas histórias.
Por outro lado,
recentemente podemos perceber algumas modificações importantes em tais
abordagens, repercutindo em novas análises nas relações interamericanas. Para Sonia Torres (2001,
p.11)
"O fenômeno da globalização do mundo
levanta uma série de questões cruciais para os Estudos Americanos, na medida em
que exige que consideremos novas construções e revisões criticas da
modernidade. [...] Esta crescente pluralidade, marcada pela co-existência de
culturas, língua (gens) e etnicidades cruzadas, na cartografia cultural
contemporânea, vem redefinindo os rumos dos Estudos Americanos nos últimos
anos".
Estudos Americanos no
sentido proposto por Sônia Torres não se refere apenas aos estudos de relações
diplomáticas no sentido tradicional, mas sim a uma gama variada de temas e
abordagens que abarcam objetos como literatura, política, fotografia etc.,
ampliando, portanto, as questões capazes de contribuir para o entendimento das
relações entre Estados Unidos e América Latina.
Sendo assim, os novos
olhares lançados sobre a história dos Estados Unidos em geral, e das relações
interamericanas em particular, têm trabalhado de forma a buscar interpretações
alternativas à tradicional perspectiva do antagonismo norte x sul, ricos x pobres;
fortes x fracos de cunho estruturalista; ou o antagonismo das leituras
culturalistas que enfatizam os pares antitéticos civilizados x bárbaros; anglos
x latinos.
Como salienta Gilbert
Joseph (1998, p.4),
"Passando longe de modelos
político-econômicos dicotômicos que vêem apenas dominação e resistência,
exploradores e vítimas, latino-americanistas [...] estão sugerindo formas
alternativas de conceituar o papel que os Estados Unidos, outros atores
estrangeiros e agências, têm desempenhado na região durante os séculos dezenove
e vinte. Ao mesmo tempo, estão integrando gênero, etnicidade, análises
lingüísticas em suas investigações; combatendo a separação convencional entre
as esferas <<públicas>> e <<privadas>> (e, assim,
expandir noções do político); incomodados com categorias aparentemente fixas,
como 'estado', 'nação', 'desenvolvimento', 'modernidade' e 'natureza'"
É importante salientar
que este processo de revisão historiográfica não está restrito a uma
determinada corrente teórica ou disciplina acadêmica, sendo possível perceber
avanços em diferentes correntes, como na Histórica Cultural, História Política,
e mesmo uma renovação nos estudos baseados no paradigma da Dependência.
Ainda em 1980, Gerson
Moura, embora se utilize de conceitos como imperialismo, dominação e
dependência, já apontava para o desgaste destes conceitos quando percebidos
como determinantes estruturais únicos nas relações internacionais.
Para Moura (1980,
p.44), seria necessário analisar, o que ele chamou, de "determinantes conjunturais",
conjugados aos "determinantes estruturais", ou seja, fatores
intervenientes observados na "curta duração".
"Quando falamos em conjugação de
determinações estruturais e determinações conjunturais, queremos dizer que os
processos imediatos de decisão política guardam uma grande autonomia, isto é,
não são simples reflexos do sistema de poder".
Mais recentemente,
Perez Jr, apontou para uma revisão teórica dos chamados
"dependentistas". Embora mantenha a premissa central de que as
relações interamericanas estão pautadas em Estados Nacionais com poderes
econômicos, políticos, sociais e militares desiguais, Pérez Jr. (1992) sugere
que um entendimento das relações interamericanas não pode estar limitado às
fontes produzidas somente pela Casa Branca, ou pela simples leitura dos ofícios
produzidos pelo Departamento de Estado.
Para Pérez Jr. (1992,
p. 108), "o escopo da investigação deve se expandir para incluir o uso de
fontes de arquivos e registros públicos, bem como jornais, periódicos
latino-americanos e outras publicações e materiais inéditos".
Além de considerar as
fontes diplomáticas por um viés distinto do tradicional, como já foi enfatizado
anteriormente, é necessário analisar e refletir também sobre a recepção
brasileira e latino-americana, analisando a repercussão na opinião pública e
nos discursos dos representantes dos diversos países, não trabalhando apenas
com o ponto de vista dos Estados Unidos.
Se por um lado não se
pode compreender a história latino-americana excluindo os Estados Unidos, por
outro lado, os Estados Unidos não podem ser interpretados como imunes às
diferentes formas de contato com seus vizinhos abaixo do Rio Grande. Para
Bender (2002), as histórias de outros países influenciam a história
norte-americana, e vice-versa, não apenas atualmente, na era global, mas desde o
século XV.
Neste sentido, é
necessário ter uma visão aberta da história, entendendo a história dos Estados
Unidos e das Relações Interamericanas como algo construído e delineado tanto
subjetivamente quanto por poderes objetivos, não necessariamente vinculados aos
grupos políticos e econômicos dominantes.
Referências
SCHMIDT, Mario Furley. Nova História Crítica. 7ª. Série. São Paulo: Nova Geração, 2002.
JOSEPH, Gilbert M. Close Encounters
Toward a New Cultural History of U.S-Latin America Relations. In:
LEGRAND, Catherine. SALVATORE, Ricardo. JOSEPH, Gilbert M. Writing the Cultural History of U.S.-Latin
America Relations. Durham and London: Duke University Press, 1998.
PEREZ JR, Louis A. Dependency. In:
HOGAN, Michael J. PATERSON, Thomas G. (orgs) Explaining The History of American Foreign Relations. New York: Cambridge, 1992.
TORRES, Sonia. Estudos
Americanos: Raízes Nacionais, Rumos globais. In: TORRES, Sonia (org) Raízes e Rumos: perspectivas
interdisciplinares em estudos americanos. Rio de Janeiro:
7Letras, 2001.
BENDER, Thomas. Historians, The
Nation, and the Plenitude of Narratives. BENDER, Thomas. Rethinking American History in a Global Age. Berkeley: University
of Califórnia, 2002.
Boa noite Alexandre,
ResponderExcluirParabéns pelo artigo.
Gostaria, se possível, que você me sugerisse algum material sobre a história dos Estados Unidos, pois onde estudo não tenho esse conteúdo e terei dificuldades ao dar aulas, visto que a história dos EUA está presente nos livros didáticos, de forma engrandecida ou não.
Obrigado.
ANA CAROLINA RODRIGUES AMBRÓSIO.
Olá Ana Carolina, tudo bem? Temos alguns autores brasileiros que têm buscado romper com essa visão dicotômica. Eu poderia sugerir os livros do Antônio Pedro Tota, mais focados nos anos 1940 e no livro organizado pela Sônia Torres, chamado "Estudos Americanos: Raízes Nacionais, Rumos Globais", onde encontramos vários artigos do ponto de vista da literatura, cinema, antropologia, história, etc, contendo análises inovadoras sobre as relações interamericanas.
ExcluirUm grande abraço,
Alexandre G da Cruz Alves Junior
Boa noite Alexandre!
ResponderExcluirDentro desta visão "vitimista" seria pretensão demais dizer que o mesmo acontece com o Brasil (devido a sua dimensão geográfica e econômica) diante de seus vizinhos latino americanos?
Muito elucidativo o seu texto, obrigada!
Celimara Solange da Silva Orlando Curbelo
Olá Celimara, tudo bem? Eu acho que seria interessante uma pesquisa sobre a produção historiográfica dos nossos vizinhos sobre as relações interamericanas e o lugar o que Brasil ocupa. Eu sei que no Paraguai, até por conta da guerra, há uma narrativa neste sentido. Não poderia dizer se é majoritária. Mas seria interessante uma pesquisa de fôlego neste sentido.
ExcluirAbs,
Alexandre G da Cruz Alves Junior