POR UMA HISTÓRIA CONTADA E SENTIDA
PROJETO CULTURA 5: SENTINDO A CULTURA AFRO-BRASILEIRA NOS SENTIDOS
PROJETO CULTURA 5: SENTINDO A CULTURA AFRO-BRASILEIRA NOS SENTIDOS
Carolyne do Monte de Paula
Este texto é resultado
da aplicação de um projeto de intervenção, uma alternativa de abordagem sobre
cultura Afro-Brasileira na sala de aula. Contribuindo com o processo de
formação instituído pela Lei 10.639/2003, que institui a exigência da inclusão
da temática de História da África e Cultura Afro-Brasileira no ensino básico.
Seguindo o conselho de Hebe Mattos, reconhecemos que é preciso "menos
discutir um texto, já aprovado, e mais tentar intervir nas maneiras de sua
implementação para que elas possam concretizar suas possibilidades positivas de
intervenção, neste aspecto da realidade escolar." (MATTOS, 2003, p.127).
Nessa perspectiva que surgiu o projeto CULTURA 5: SENTINDO A CULTURA NOS
SENTIDOS, que encontrou nos cinco sentidos (visão, audição, tato, olfato e
paladar) um meio lúdico e eficiente para colocar o educando em contato com as
produções culturais da cultura afro-brasileira que fazem parte do seu
cotidiano, porém nem sempre são percebidas. Desenvolvido no Laboratório de
Ensino de História, da Mata Norte, em 2014. Fruto de pesquisas, discussões,
apresentações em eventos acadêmicos e escolas da rede publica e privada de
Pernambuco, iniciados a partir da disciplina de Pratica IV/ Educação Histórica
e Ensino Fundamental na Universidade de Pernambuco.
O projeto Cultura 5, é
um projeto de intervenção que objetiva contribuir com a superação da carência
quanto ao tratamento da temática, encontrada nas escolas de ensino básico.
Busca-se proporcionar um contato direto entre os educandos e a cultura
afro-brasileira, por meio de um momento experimental; levar ao conhecimento do
educando a importância da contribuição dessa cultura para formação da cultura
brasileira, com perspectiva de ressignificar as relações cotidianas na escola.
Contudo antes de pensar em um projeto de intervenção decidimos realizar uma
pesquisa empírica para levantar dados sobre a relação da escola com a temática,
assim como a dos educandos. Entrevistamos educadores, que em geral consideraram
que sua formação não lhe forneceu subsídios para trabalhar com a temática sobre
cultura afro-brasileira, enquanto os educandos consideravam-na desinteressante,
apesar de reconhecerem, em sua maioria, a forte presença do racismo na escola.
Foram entrevistados professores de diversas áreas, e educandos com faixa etária
entre onze e dezessete anos. Foi dentro dessa realidade que surgiu este
projeto. Então, enquanto pensávamos em como elaborar este projeto elegemos
algumas prioridades. Dar ao professor o caráter de trabalhador cultural, criar
um projeto inovador, no sentido de adequar os conteúdos a realidade do educando,
e pensar em algo que fosse totalmente prático. Nessa perspectiva encontramos
nos cinco sentidos (visão, audição, tato, olfato e paladar), um meio de colocar
o educando em contato com a cultura afro-brasileira por meio de um momento
experimental, aonde ele não só conheceria ou reconheceria, mas também sentiria
esta cultura e refletiria sobre sua história.
Começamos a nos
debruçar em leituras e pesquisas que nos fornecesse fundamentação teórica para
que pudéssemos conhecer e trabalhar com as produções da cultura
afro-brasileira. E logo surgiram algumas questões: Será que algo que é
afro-brasileiro é mais africano do que brasileiro? Porque se utiliza
constantemente esse termo para identificar a presença e africana em algo, e não
a de outras culturas como a lusa e italiana que também se fazem presente no
Brasil? Todas essas questões são colocadas por Ivaldo França Lima em um recente
artigo. Ivaldo coloca isso porque ele sabe que não existe África, mas Áfricas.
Sabe dos riscos em que termos como esse podem causar se não forem colocados
sob-reflexão. Para Ivaldo o grande problema dessas categorizações
generalizadas, está no fato de ocultar as lutas políticas conquistadas
por negros e negras. Para Ivaldo "afro-brasileiro é a forma de nomear as
práticas e os costumes que homens negros e mulheres negras foram ou (são!)
predominantes no processo de construção." Ou seja, constituição como
afro-brasileiro aquilo em que os negros ou negras tiveram maior participação na
produção. E foi sobre algumas dessas produções que nos debruçamos. Buscando
sempre relacioná-las com um sentido. O momento de pesquisa e leitura neste
processo de aplicação do projeto é fundamental para o educador. Sendo assim,
segue algumas sugestões de leituras, as quais foram referencia para nós.
Para trabalhar com o
paladar e tratar da culinária Afro-Brasileira, temos a obra de Luiz Câmara
Cascudo, A História da Alimentação no Brasil. No livro Cascudo detalhadamente
expõe as principais características e transformações da cozinha indígena,
africana e portuguesa. Assim como em uma parte da obra aborda os mitos e
verdades da cozinha brasileira. Nesta parte, Cascudo revela o que pode, e, o
que não pode ser considerado parte da culinária Afro-Brasileira. Utilizando
fontes escritas e orais, ele aponta que o vatapá a moqueca e a feijoada são os símbolos
de nossa culinária, e apresentam forte influencia dos elementos africanos,
assim como indígenas. Já o olfato, pode ser trabalhado por meio do cheiro dos
próprios pratos típicos, mas o produto que utilizamos foi o Azeite de Dendê.
Plantado aqui no Brasil pelos africanos segundo o próprio Cascudo. É importante
o aplicador está atento a possíveis alergias a alimentos.
O próximo sentido que
abordaremos é a audição. O professor não precisa se esforçar muito na escolha
de um estilo musical que se encaixe no projeto, já que majoritariamente os
ritmos adotados pelas massas possuem elementos da cultura Afro. Contudo o ritmo
que nós indicamos para utilização no projeto é o samba, o ritmo que se tornou
símbolo nacional e reconhecidamente afro-brasileiro. Para um melhor estudo
sobre este ritmo tem-se o livro Historias do Samba, de Marcos Alvito. O mesmo
em um recente artigo para a Revista da Biblioteca Nacional de História, como
especialista da área, registrou algumas orientações para que o professor
trabalhe com o samba. Muito eficaz para aplicação do projeto. Alvito,
primeiramente, alerta que: "Para ser utilizado, em sala de aula, o samba,
como qualquer música, tem que ser encarado como documento, uma fonte histórica.
Não deve ser tratado como uma mera ilustração, mas sim como parte da
história." (ALVITO, 2014,p.79) O samba em sua origem tratava das
realidades vividas pelos negros recém libertos, é interessante que o professor
escolha letras que conduzam o aluno a fazer esta reflexão. A religião como elemento
essencial da história do samba, não pode ser esquecida, pois a música é um
elemento de conexão entre o espiritual e o material, muito importante para a
cultura dos africanos. Para
finalizar, os dois últimos sentidos restantes são respectivamente a visão e o
tato. Os dois sentidos podem ser trabalhados em conjunto, já que produções
culturais que estimulam o visual geralmente podem ser tocadas.
Atualmente há no
Brasil a ANAMAB (Associação Nacional de Moda Afro-brasileira), cujo objetivo é
Incentivar e fortalecer o desenvolvimento da Moda Afro-Brasileira, divulgar o
trabalho dos criadores e de toda a cadeia produtiva, organizar a produção de
moda Afro Brasileira, promover seminários, desfiles, curso de capacitação e
fomentar novos negócios. O trabalho da ANAMAB é muito pertinente, pois além de
ser contemporâneo, por destacar veementemente o legado africano, pois as roupas
e os desfiles são pensados na perspectiva atual, ou seja, para o publico de
hoje. Os empreendedores do ramo da moda afro-brasileira investem em modelos
negras e negros. Uma perspectiva que deve ser explorada pelo educador, pois
estamos ainda muito presos aos padrões de beleza europeu, basta olhar para
nossa televisão. Uma das coordenadoras da ANAMAB, Makota Kizandembu
Kiamaza, em entrevista à fundação Palmares falando sobre o I seminário de
moda e estética negra no Brasil que teve como um dos objetivos mapear o número
de ateliês e estilistas de moda afro-brasileira e qual é a realidade desses
produtores, disse: "a partir do mapeamento, será possível identificar a
cadeia produtiva da moda afro-brasileira e quais posições são ocupadas. A
partir daí, vamos discutir porque a nossa moda não tem visibilidade no Brasil.
Quando se fala que a moda brasileira movimenta cerca de 30% da economia, é
importante questionar porque as produtoras de moda afro não estão inseridas
nesse contexto". O questionamento de Makota só pode ser respondido a
partir de uma reflexão histórica. Todavia a partir desse projeto o educador
pode colocar o educando em contato com esse ramo da moda brasileira, dando
visibilidade ao mesmo. O educador pode consultar o blog da ANAMB, para ter uma
visão geral dos padrões da moda afro-brasileira, que oscilam entre os coloridos
e estampados, e têm como marca os adereços para cabeças, como os turbantes.
Nessa perspectiva
podem-se utilizar os acessórios, que estão inseridos no âmbito da moda, para
trabalhar com o tato. Os acessórios são produzidos majoritariamente de maneira
artesanal, remetendo aos acessórios utilizados pelos escravos durante o regime
escravista no Brasil. Os acessórios eram utilizados por homens e mulheres e uma
das fontes indicadas para essa observação são as telas de Jean Baptiste Debret.
A aplicabilidade é
simples. Isolamos um espaço com mesa, e os participantes organizam-se para
passar por ele, geralmente em filas. Os alunos iniciam com os olhos vedados, só
então, têm contato com as produções culturais de acordo com o sentido. É sempre
instigado com perguntas, que visam saber se ele conhece ou reconhece alguma das
produções, assim como se sabe de qual cultura faz parte. Ao final,
desenvolvemos um diálogo com os participantes, falando sobre a história de cada
produção cultural. Feito isso, os convidamos a responder por escrito em um
papel em branco, sem ser necessária sua identificação, a seguinte pergunta:
"Você acha que o negro tem importância na formação da cultura
brasileira?"
Antonio Sergio
Guimarães fala que o "ideário antirracista" é um grande problema em
nosso país, reforçando cada vez mais o silêncio para com o tratamento da
temática na sociedade, e violentando de "forma brutal as populações
negras." (GUIMARÃES,1999). Logo acabar com este silêncio é de certa forma
agir para conter essa violência. Foi nessa perspectiva que surgiu o projeto
cultura 5: sentindo a cultura afro-brasileira nos sentidos, vendo no professor
o protagonista deste processo. Pois o docente pode desenvolver um trabalho
enquanto trabalhador cultural, capaz de causar mudanças na escola
manifestando-se contra todas as formas de discriminação e preconceito (GIROUX, 1997,p.32).
Sendo assim, o conhecimento do processo histórico e reconhecimento ou
conhecimento dos elementos culturais refletem diretamente no desenvolvimento do
cidadão, pois estes são estímulos que proporcionam consciência, principio básico
para a prática do respeito à diferença. Tendo em vista isso, projetos como este
parecem ser cada vez mais pertinentes, visto que eles atuam dentro de uma
perspectiva inovadora no sentido de adequar conteúdos as realidades dos
educandos (FERREIRA; TORRES,2014). O envolvimento do educando ao passar por
cada experiência com os sentidos, a iniciativa própria do educando de reflexão
para relacionar os sentidos e as produções culturais de modo total visando
entender a experiência, assim como a sensação de descoberta que eles
demonstraram ao escutar a explicação da experiência, nos apontaram que o
trabalho no campo sensorial e o ensino podem abrir caminhos para novas
investigações e discussões no âmbito da epistemologia e o ensino de História.
Também contatamos o caráter universal do projeto, ou seja, podendo ter qualquer
cultura como plano de fundo.
Referências
ALVITO, Marcos.
Professor Samba. Revista da Biblioteca
Nacional de História. Ano 9,n.97.Outunbro,2013.p.79-83.
BRASIL. Lei n°10.639 de 09 de Janeiro de 2003.
Institui nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos
e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira
e Lei de Diretrizes e Base da Educação
Nacional. Legislação Federal.
CASCUDO, Luis Camara. História da alimentação no Brasil. Rio
de Janeiro: Global,2004.
FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: formação da
família patriarcal brasileira sob o regime da economia patriarcal. 30.ed.
Rio de Janeiro: Record,1995.
GIROUX, H. A. Os professores como intelectuais: rumo a
uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Atmed, 1997.
GUIMARÃES, Antonio Sergio. Racismo e antirracismo no Brasil. São Paulo, Fundação de apoio a USP/Editora 34,1999.
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RUSSEN, Jorn. História Viva: teoria da história: formas e
funções do conhecimento histórico. Brasília: UnB,2007.
SILVA, Lúcia Helena
Oliveira. Por uma história e cultura Afro-Brasileira e Africana. IN: Ensino de Histórias e educação: Olhares em
convergência / Luis Fernando Cerri (org). Ponta Grossa: UEPG, 2007.p.139-151.
SILVA, Maria de Fátima
Gomes. Percepções dos docentes sobre a vivência da interdisciplinaridade nas
práticas docentes universitárias em Portugal e no Brasil. In: RODRIGUES, Luis
Alberto; SILVA, Maria de Fátima Gomes. Linguagens
e educação: possíveis interseções. Recife: EDUPE,2013.
oi
ResponderExcluirvcs acham que é possivel contar/ensinar história africana nos moldes africanos, tipo, contadores de histórias?
obrigada
Kelly Cristina
Olá, Prezada. KELLY. PRimeiramente obrigado pela pergunta. Nós temos muita dificuldade para ensinar Historia da África, principalmente pelo fato de por muito tempo a historiografia ter considerado fonte escrita sinônimo de documento. Contudo a escola dos Analles fez uma revisão a isso. Mas ainda hj fontes visuais e orais lutam por espaço. Acredito que no campo da história oral africana temos que dar a ela um tom oficial entre os alunos. Mostrando a eles que os Griot eram grandes mestres com habilidades para guardar historias e genealogias, assim como preparavam seus aprendizes. Mostrando a eles que essa tradição é algo sério. É interessante que investamos em brincadeiras do tipo telefone sem fio, para tornar o assunto mais plausível a realidade deles. Assim como pode-se convidar cada um para que conte a historia da sua família. Mostrando pra eles a importância e o significado da mesma. Apesar de não ser escrita.
ExcluirEspero ter ajudado. =)
Boa tarde, sabendo que o negro deixou muitas contribuições culturais no Brasil este projeto é muito interessante para se trabalhar poderia ele ser desenvolvido nas escolas em que dou aula?
ResponderExcluirAtenciosamente
Leandro da Silva Zimmermann
Olá, Prezado Leandro. Com toda certeza!! Nossa intenção é divulgar esta prática disseminando-a. E oferecendo novas opções para o professor trabalhar com a cultura afro-brasileira. Fique a vontade para adpta-lo a realidade de sua escola e alunos.
ExcluirAtenciosamente. =)
Olá Carolyne, você acha que seria pertinente falar com os alunos sobre apropriação cultural no sentido afro-brasileiro? Por exemplo, citar os turbantes que de símbolos de resistência se tornaram objetos da moda e realizar trabalhos em volta do tema?
ResponderExcluirObrigada!
Att.
Giovana Camargo Todan
Olá, prezada Giovana. Toda discussão é sempre bem-vinda. É interessante também trabalhar a questão de identidade. Pois se usamos algo, embora muitas vezes seja por moda, esse algo tem muito a dizer sobre nossa história e com o que nos identificamos. É importante sinalizar que,embora a moda afro esteja crescendo no Brasil, ela ainda não é valorizada, ligadas a estereótipos, assim como pessoas que fazem uso dela são descriminadas.
ExcluirEspero ter ajudado. =)
Boa Noite ^^ Gostei demais do seu texto!! Já havia utilizado os sentidos em algumas intervenções sobre cultura afro e indígena, mas não havia pensado em estruturar algo como você apresenta. Sem dúvida é uma ótima contribuição para nós docentes. Minha pergunta se refere aos professores e professoras que acompanharam as atividades: * qual a opinião, reação ou posicionamento após a intervenção? * Houve outra entrevista para verificar a percepção e aprendizagem discente? Pergunto isso pois trabalho com o viés da avaliação diagnóstica, ou seja, vou acompanhando a produção de conhecimento a partir de perguntas simples, por exemplo: o que você conhece de culinária? Então, após a aula refaço a pergunta e observo se houve aprendizagem, se ficou alguma dúvida... Chegou a rolar algum feed back?
ResponderExcluirOlá, Prezada Jessica. Fico feliz em saber que você gostou do trabalho. E também por ter já utilizado esses métodos. Sua preocupação é muito pertinente. Em geral o projeto tem mostrado uma grande eficácia. Principalmente entre os professores, pois muitos não sabiam trabalhar com a temática. Coordenadores e professores sempre nos procuram falando que os alunos mudaram seus discursos e até mesmo auto estima depois do trabalho. Enquanto aos alunos pelo que escrevem eles passam a conhecer e reconhecer a cultura afro-brasileira, e as questões mais destacadas por eles são justamente a culinária. Apesar de tudo para além das palavras é muito gratificante ver um aluno dizer "meu povo criou a feijoada, minha cor é importante"
ResponderExcluirAtenciosamente =)